E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Eisenmenger, uma complicação grave de cardiopatias congênitas não corrigidas, marcada pela inversão do fluxo do shunt e desenvolvimento de hipertensão pulmonar severa.
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Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Eisenmenger
A síndrome de Eisenmenger é uma complicação grave e progressiva de cardiopatias congênitas com grande shunt esquerdo-direito não corrigido, como comunicação interventricular, interatrial ou persistência do canal arterial.
Devido às alterações anatômicas presentes desde o nascimento, o sangue inicialmente flui do lado esquerdo para o direito do coração, o que aumenta o fluxo sanguíneo nos pulmões. Com o passar do tempo, esse fluxo aumentado leva ao desenvolvimento de hipertensão arterial pulmonar (HAP) e elevação da resistência vascular pulmonar. Quando essa resistência se torna maior que a pressão sistêmica, o fluxo se inverte, passando a ocorrer um shunt direita-esquerda, resultando em hipóxia sistêmica e cianose.
A condição pode se manifestar ainda na infância ou adolescência, dependendo da gravidade do defeito cardíaco e da progressão da HAP. Os pacientes podem apresentar sinais como dispneia aos esforços, fadiga, intolerância ao exercício, cianose e policitemia. O diagnóstico é confirmado por meio de exames clínicos, laboratoriais e de imagem, como ecocardiograma e cateterismo cardíaco.
Fisiopatologia da Síndrome de Eisenmenger
A fisiopatologia da síndrome de Eisenmenger envolve uma sequência de alterações hemodinâmicas e estruturais desencadeadas por defeitos cardíacos congênitos que permitem um grande shunt esquerdo-direito, como a comunicação interventricular (CIV), comunicação interatrial (CIA) e persistência do canal arterial (PCA). Inicialmente, o sangue flui do lado esquerdo do coração para o direito, aumentando o fluxo pulmonar.
Com o tempo, esse aumento crônico no volume e na pressão nas artérias pulmonares leva a três processos principais. O primeiro é a vasoconstrição, resultado de desequilíbrios na regulação do tônus vascular pulmonar. Em seguida, ocorre o remodelamento vascular, caracterizado pela proliferação da musculatura lisa das arteríolas pulmonares, que engrossa a parede vascular e reduz ainda mais a complacência dos vasos. Por fim, o processo de trombose contribui para o aumento da resistência ao fluxo sanguíneo, agravando a hipertensão arterial pulmonar.
Essas alterações tornam a resistência pulmonar maior do que a resistência sistêmica, promovendo a inversão do shunt para um fluxo direita-esquerda. Essa mudança leva à passagem de sangue não oxigenado para a circulação sistêmica, provocando hipóxia e cianose características da síndrome.
Manifestações clínicas da Síndrome de Eisenmenger
As manifestações clínicas da síndrome de Eisenmenger são variadas e refletem tanto a presença da cardiopatia congênita quanto as consequências da hipertensão pulmonar e da hipóxia crônica.
A queixa mais comum é a dispneia aos esforços, geralmente em pacientes com defeitos cardíacos congênitos previamente diagnosticados. Outros sintomas frequentes incluem cianose progressiva, síncope, palpitações, hemoptise, edema e retenção de líquidos.
A hipóxia crônica estimula a produção de hemácias, levando à policitemia, que pode provocar sintomas relacionados ao aumento da viscosidade sanguínea, como tonturas, cefaleias, alterações visuais, danos a órgãos-alvo e acidente vascular cerebral.
O hipocratismo digital é característico, podendo ser mais acentuado nos membros inferiores em casos de persistência do canal arterial, devido ao desvio de sangue não oxigenado após a origem da artéria subclávia esquerda.
As manifestações dermatológicas podem incluir:
- Plethora (rubor facial);
- Livedo reticular;
- Acrocianose intensa;
- Depósitos de urato;
- Equimoses;
- Úlceras cutâneas isquêmicas.
No exame abdominal, é possível observar ascite e sensibilidade no hipocôndrio direito, secundárias à congestão hepática e possíveis alterações na vesícula biliar, indicando comprometimento sistêmico pela insuficiência cardíaca direita.
Diagnóstico da Síndrome de Eisenmenger
O diagnóstico da síndrome de Eisenmenger envolve uma abordagem abrangente, com avaliação clínica detalhada e exames complementares específicos. Inicialmente, deve-se realizar uma anamnese completa e exame físico minucioso, com atenção especial para fatores que possam desencadear ou agravar a hipertensão arterial pulmonar (HAP). É fundamental também avaliar a gravidade da HAP e a função ventricular.
A investigação inclui exames como oximetria de pulso, radiografia de tórax, eletrocardiograma (ECG), provas de função pulmonar, hemograma completo, estudos de ferro e testes com monofosfato de citidina, que ajudam a excluir outras causas de sintomas e a avaliar o estado geral do paciente. A prova de vasorreatividade pulmonar também é recomendada, já que há evidências de melhora sintomática com o uso de vasodilatadores em alguns casos.
O exame mais definitivo é o cateterismo cardíaco completo, que deve ser realizado em centros especializados em cardiopatias congênitas do adulto e hipertensão pulmonar. Esse exame permite avaliar diretamente as pressões nas câmaras cardíacas e nas artérias pulmonares, além de confirmar a presença e o sentido do shunt.
É importante destacar que sopros cardíacos intensos podem estar ausentes na síndrome de Eisenmenger. Isso ocorre porque, com o tempo, as pressões nos ventrículos esquerdo e direito se igualam, reduzindo o gradiente de pressão e, consequentemente, o grau de turbulência sanguínea, o que pode tornar o sopro inaudível à ausculta.
Tratamento da Síndrome de Eisenmenger
O tratamento da síndrome de Eisenmenger é desafiador e visa principalmente o controle dos sintomas e a melhora da qualidade de vida, uma vez que a reversão do quadro, em geral, não é possível. O único tratamento curativo seria o transplante cardiopulmonar, porém essa alternativa é limitada e pouco viável na maioria dos contextos clínicos.
O tratamento farmacológico tem mostrado benefícios sintomáticos, embora não haja evidência clara de melhora na sobrevida com todas as terapias. Entre os medicamentos utilizados, destacam-se os diuréticos, indicados para controle de congestão; antiarrítmicos, em casos de arritmias; e anticoagulantes, como a varfarina, utilizados em alguns pacientes com o objetivo de reduzir a formação de trombos in situ, embora os dados sejam majoritariamente observacionais.
Terapias vasodilatadoras, como os antagonistas da endotelina (ex.: bosentana) e os inibidores da fosfodiesterase-5 (ex.: sildenafil), mostraram melhora na capacidade funcional e nos sintomas, com alguns estudos sugerindo possível benefício na mortalidade com o uso de sildenafil. A oxigenoterapia suplementar pode ser usada, mas não demonstrou benefício comprovado na sobrevida.
O acompanhamento clínico deve ser contínuo, com monitorização anual de hemograma, função renal, níveis de ferro, ácido úrico e oximetria de pulso, com ou sem oxigênio suplementar. Anormalidades, especialmente relacionadas à hipóxia, devem ser avaliadas cuidadosamente.
A correção cirúrgica do defeito cardíaco em pacientes adultos geralmente é contraindicada. Nesses casos, o shunt pode funcionar como um mecanismo de alívio da pressão do ventrículo direito, evitando piora da hipertensão pulmonar. Em crianças com doença vascular pulmonar avançada e baixa resposta a vasodilatadores, a cirurgia pode levar a complicações graves, como insuficiência cardíaca direita e crises hipertensivas pulmonares.
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Referências
Basit H, Wallen TJ, Sergent BN. Eisenmenger Syndrome. [Updated 2023 Feb 13]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK507800/
Naser M Ammash, MD. Clinical manifestations and diagnosis of atrial septal defects in adults. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate