E aí, doc! Bora mergulhar em mais um assunto relevante? Hoje o foco é a Síndrome de Noonan, uma condição genética que pode causar traços faciais característicos, baixa estatura, cardiopatias congênitas e dificuldades no desenvolvimento.
O Estratégia MED está aqui para te ajudar a entender melhor essa síndrome e suas implicações clínicas, fortalecendo sua prática com conhecimento sólido e atualizado.
Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Noonan
A síndrome de Noonan (SN) é uma condição genética comum, de herança autossômica dominante, caracterizada principalmente por baixa estatura e doença cardíaca congênita (DCC), sendo a estenose pulmonar a manifestação cardíaca mais frequente.
Trata-se de uma síndrome clinicamente e geneticamente heterogênea, com manifestações que variam amplamente entre os indivíduos. Embora descrições iniciais enfatizassem traços faciais característicos, avanços nos testes genéticos revelaram que a apresentação clínica pode incluir aspectos comportamentais e emocionais proeminentes.
A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) está presente em aproximadamente 20% dos pacientes, com variação na frequência conforme o gene afetado. A prevalência estimada da SN varia entre 1 em cada 1000 a 2500 nascidos vivos, embora o número real ainda seja desconhecido, em parte devido à evolução das manifestações clínicas ao longo da vida. É comum que o diagnóstico em um dos pais ocorra apenas após o nascimento de uma criança mais afetada.
A síndrome afeta ambos os sexos de forma igual, mas pode ser mais facilmente reconhecida em meninos, especialmente pela ocorrência de criptorquidia. A SN acomete indivíduos de todas as etnias e está associada à idade paterna avançada, característica comum em outras doenças com herança dominante. A fisiopatologia da condição está relacionada, em grande parte, a alterações na via Ras-MAPK.
Fisiopatologia da Síndrome de Noonan
A fisiopatologia da síndrome de Noonan (SN) está diretamente relacionada a variantes patogênicas germinativas em genes que codificam proteínas envolvidas na via de sinalização Ras-MAPK (proteína quinase ativada por mitógenos).
Essa via é fundamental para funções celulares essenciais, como proliferação e diferenciação celular. Alterações nessa sinalização causam uma desregulação no desenvolvimento e na função celular, caracterizando a SN como uma RASopatia, grupo de síndromes genéticas com base comum na disfunção dessa via.
As variantes patogênicas associadas à SN geralmente provocam um ganho de função nas proteínas resultantes, tornando-as hiperativas. Por exemplo, mutações nos genes KRAS, NRAS e PTPN11 (este último codifica a proteína SHP2) aumentam a atividade da via Ras-MAPK, interferindo na regulação normal do crescimento e desenvolvimento. Embora os testes funcionais sejam limitados, acredita-se que os efeitos dessas variantes sejam mais amplos do que os atualmente mensuráveis em ensaios laboratoriais.
Uma forma variante da SN, conhecida como síndrome de Noonan com múltiplas lentiginoses (NSML), anteriormente chamada síndrome de LEOPARD, envolve mutações distintas em genes como PTPN11, BRAF e RAF1.
Nesses casos, há uma redução na sinalização por MEK e ERK, mas um aumento na atividade da via AKT/mTOR, o que também contribui para manifestações como cardiomiopatia, lentiginoses e perda auditiva.
Além disso, proteínas reguladoras negativas da via Ras-MAPK, como neurofibromina (NF1) e SPRED1, quando afetadas por variantes de perda de função, resultam em condições como neurofibromatose tipo 1 e síndrome de Legius, que compartilham algumas características clínicas com a SN.
Outro aspecto importante da fisiopatologia é a associação da SN com idade paterna avançada, atribuída à vantagem clonal das células germinativas com mutações ativadoras, que se tornam mais prevalentes no esperma de homens mais velhos, o que contribui para a frequência relativamente alta da condição entre as doenças genéticas de ocorrência de novo.
Características clínicas da Síndrome de Noonan
Apesar da heterogeneidade, os achados mais consistentes incluem hipertelorismo ocular e orelhas de implantação baixa (em mais de 80% dos casos), baixa estatura (em mais de 70%) e estenose pulmonar (em cerca de 50%).
Pré-natal
No período fetal, podem surgir sinais relacionados à disfunção do sistema linfático, como translucência nucal aumentada (mais comum), higroma cístico, ascite e hidropsia fetal generalizada.
Outras alterações possíveis incluem hidronefrose, cardiomiopatia hipertrófica (CMH) e doença cardíaca congênita (DCC), embora estas últimas sejam menos frequentemente identificadas no pré-natal por envolverem defeitos valvares ou septais, mais difíceis de visualizar em exames intrauterinos.
A presença de polidrâmnio, encurtamento dos membros, macrocefalia relativa e macrossomia fetal também pode oferecer suporte diagnóstico, ainda que não sejam exclusivas da SN.
Nascimento e infância
Ao nascimento, muitos bebês com SN não apresentam alterações visíveis. O peso e o perímetro cefálico geralmente estão dentro da normalidade, podendo haver macrocefalia relativa.
A estenose pulmonar ou outras cardiopatias podem ser detectadas na avaliação neonatal. Criptorquidia em meninos e pé torto congênito (talipes equinovarus) também podem ocorrer. As dificuldades alimentares são frequentes e, em casos mais graves, pode ser necessária alimentação por sonda ou gastrostomia.
Infância
Na infância, tornam-se evidentes características faciais típicas da síndrome, como testa alta, hipertelorismo, fissuras palpebrais inclinadas para baixo, sobrancelhas arqueadas, dobra epicântica, ponte nasal deprimida, lábio superior cheio e orelhas de implantação baixa.
Com o tempo, o crescimento mandibular confere ao rosto formato triangular. Podem ocorrer atrasos no desenvolvimento motor e da fala, sopro cardíaco por DCC e baixa estatura, com velocidade de crescimento preservada.
Outros achados incluem equimoses fáceis e sangramentos, geralmente associadas a mutações em PTPN11, disfunções plaquetárias e alterações na coagulação. Pele seca, ceratose pilar, estrabismo, perda auditiva e linfedema também são comuns. Craniossinostose e tumores de células gigantes na mandíbula são achados raros, mas sugestivos.
Idade adulta
Na vida adulta, podem surgir infertilidade masculina, mesmo na ausência de criptorquidia, além de linfedema de início tardio e malformação de Chiari. As características faciais podem evoluir para uma aparência de envelhecimento precoce, com pregas nasolabiais profundas.
Apesar dos desafios no desenvolvimento, a maioria dos adultos com SN apresenta funcionamento cognitivo dentro do normal. A apresentação clínica diversa da SN requer uma abordagem cuidadosa e multidisciplinar, com atenção especial às diferentes manifestações conforme a idade.
Diagnóstico de Síndrome de Noonan
O diagnóstico da síndrome de Noonan (SN) pode ser realizado com base em critérios clínicos, mas a confirmação molecular é frequentemente buscada, especialmente devido às correlações emergentes entre genótipo e fenótipo. Em muitos casos, o diagnóstico é feito por meio de testes genéticos, como o sequenciamento genético amplo, solicitado diante de achados como cardiopatia congênita, baixa estatura ou deficiência intelectual.
Avaliação clínica
O diagnóstico deve ser considerado em pacientes de qualquer idade que apresentem um conjunto de sinais clínicos característicos, como macrocefalia relativa, baixa estatura, dificuldades alimentares e achados pré-natais sugestivos.
A análise de fotografias da infância pode ser útil, especialmente em adultos, já que as características faciais típicas são mais evidentes nessa fase. Não existem exames laboratoriais específicos que indiquem a síndrome, além dos testes genéticos.
Critérios diagnósticos
Existem critérios formais de diagnóstico clínico da síndrome de Noonan, úteis principalmente nos casos com apresentação clássica. Contudo, esses critérios podem não ser tão eficazes na identificação de pacientes com variantes em genes menos comuns associados à síndrome, como CBL ou RAF1.
Teste genético
A confirmação genética é possível na maioria dos casos. Atualmente, muitos laboratórios oferecem painéis genéticos específicos para a síndrome de Noonan ou para rasopatias, que abrangem os genes mais frequentemente envolvidos.
Esses testes devem ser realizados com acompanhamento de aconselhamento genético, uma vez que podem identificar variantes de significado incerto. Quando a mutação causadora é identificada, é possível realizar teste em cascata nos parentes de primeiro grau, que podem ter manifestações leves ou não reconhecidas da síndrome.
Diagnóstico pré-natal
O teste genético para variantes associadas à SN pode ser indicado durante a gestação, especialmente na presença de espessamento da translucência nucal, higroma cístico, polidrâmnio, hidropsia fetal, anormalidades renais, sacos linfáticos jugulares distendidos, hidrotórax ou cardiopatias. A taxa de detecção de variantes pode chegar a 17%, dependendo da idade gestacional, dos padrões de anormalidades observadas e da quantidade de genes avaliados.
Tratamento da Síndrome de Noonan
O manejo da síndrome de Noonan (SN) é multidisciplinar e deve ser personalizado de acordo com as manifestações clínicas de cada indivíduo. O tratamento envolve o controle das anomalias presentes, a vigilância de possíveis complicações e orientações genéticas adequadas.
Tratamento das manifestações
As alterações cardiovasculares são tratadas conforme os protocolos aplicados à população geral. Dificuldades no desenvolvimento são abordadas por meio de programas de intervenção precoce e estratégias educacionais individualizadas.
Em casos de distúrbios hemorrágicos, o tratamento é direcionado com base no tipo específico de deficiência de fatores de coagulação ou disfunção plaquetária. A terapia com hormônio do crescimento (GH) pode ser indicada para aumentar a velocidade de crescimento.
Outras condições tratadas incluem:
- Leucemia mielomonocítica juvenil (JMML) e neoplasias associadas
- Problemas alimentares, TDAH e questões comportamentais
- Criptorquidia, anormalidades renais, estrabismo, perda auditiva e malformação de Chiari
Vigilância
O acompanhamento regular inclui:
- Avaliação do crescimento e estado nutricional, especialmente em lactentes
- Monitoramento de sinais neurológicos (como cefaleia crônica, alterações no tônus, apneia do sono)
- Avaliação do desenvolvimento e do comportamento
- Exames anuais de oftalmologia e audiologia na infância
Avaliação cardíaca:
- Até 5 anos: avaliação anual, mesmo que a avaliação inicial seja normal
- Após 5 anos até a vida adulta: pelo menos a cada 5 anos ou conforme necessidade clínica
Antes de procedimentos cirúrgicos ou em casos com histórico de sangramentos: investigação com hemograma, histórico de sangramento e testes de coagulação.
Para indivíduos com variantes patogênicas em PTPN11 ou KRAS, recomenda-se avaliação física e hemograma com contagem de leucócitos a cada 3-6 meses até os 5 anos de idade, para detecção precoce de JMML ou outras malignidades.Evitar o uso de aspirina, devido ao risco aumentado de sangramentos.
Manejo durante a gravidez
Gestantes com SN devem ser acompanhadas por equipes especializadas, incluindo programas de cardiologia congênita do adulto e, se necessário, hematologia, especialmente se houver histórico de sangramentos ou ausência de triagem prévia para coagulopatias.
Aconselhamento genético
A síndrome de Noonan é geralmente herdada de forma autossômica dominante, embora muitas vezes decorra de mutações de novo. Quando um dos pais é afetado, há 50% de chance de transmissão.
Nos casos autossômicos recessivos causados por mutações em LZTR1, os pais são geralmente portadores assintomáticos e cada filho tem 25% de chance de ser afetado, 50% de ser portador e 25% de não herdar a mutação. É possível realizar teste genético pré-natal e pré-implantacional, desde que a mutação causal tenha sido previamente identificada na família.
O manejo adequado da síndrome de Noonan exige abordagem contínua, integrada e individualizada, visando minimizar complicações, promover o desenvolvimento e garantir qualidade de vida.
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Referências
Emma MM Burkitt-Wright, MBChB, FRCP, PhDEkaterina Lyulcheva-Bennett, MBiochem, DPhil (Oxon), MBChB, MRCP. Noonan syndrome. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Roberts AE. Noonan Syndrome. 2001 Nov 15 [Updated 2022 Feb 17]. In: Adam MP, Feldman J, Mirzaa GM, et al., editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2025.