E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Tromboangeíte Obliterante, também conhecida como Doença de Buerger, uma vasculite que compromete pequenos e médios vasos, associada principalmente ao tabagismo.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
Navegue pelo conteúdo
Definição de Tromboangeíte Obliterante
A tromboangeíte obliterante, também denominada doença de Buerger, é uma condição inflamatória segmentar e não aterosclerótica que acomete principalmente artérias e veias de pequeno a médio calibre, localizadas nas extremidades superiores e inferiores.
A principal característica dessa enfermidade é a presença de trombos oclusivos com intensa infiltração celular e inflamatória, mas com preservação relativa da estrutura da parede vascular. Afeta predominantemente indivíduos jovens fumantes, que costumam apresentar quadro clínico de isquemia distal, úlceras isquêmicas nos dedos ou, em casos mais graves, gangrena.
A doença possui uma associação direta e intensa com o uso de produtos derivados do tabaco, sendo a cessação do tabagismo essencial para reduzir o risco de progressão e amputações.
A arterite associada ao uso de cannabis apresenta manifestações clínicas e patológicas semelhantes, porém ocorre com menor frequência em comparação com a forma relacionada ao tabaco.
Fatores de risco de Tromboangeíte Obliterante
- Uso de tabaco.
- Fumo intenso e prolongado.
- Consumo de tabaco em outras formas, como charuto, tabaco de mascar e rapé.
- Uso de cannabis.
- Infecção periodontal anaeróbica crônica.
Fisiopatologia da Tromboangeíte Obliterante
A tromboangeíte obliterante é uma doença vascular inflamatória segmentar, não aterosclerótica e oclusiva, que acomete artérias e veias de pequeno e médio calibre dos membros superiores e inferiores. Apesar de sua forte associação com o tabagismo, os mecanismos fisiopatológicos ainda não são completamente compreendidos.
Histologicamente, a TAO se diferencia de outras vasculites pela presença de um trombo intraluminal altamente celular e inflamatório, com preservação relativa da parede vascular, especialmente da lâmina elástica interna. A evolução da doença ocorre em três fases:
- Fase aguda: desenvolvimento de trombos inflamatórios oclusivos nas extremidades distais, com presença de leucócitos polimorfonucleares, microabscessos e células gigantes multinucleadas, mas sem necrose fibrinoide.
- Fase intermediária (subaguda): organização progressiva do trombo, com redução do infiltrado inflamatório na parede do vaso.
- Fase crônica: desaparecimento da inflamação, persistindo trombos organizados e fibrose vascular, tornando-se indistinguível de outras doenças arteriais oclusivas.
Embora o tabagismo seja essencial para o desencadeamento e progressão da doença, seu papel específico na patogênese ainda não está claro. Hipóteses sugerem uma hipersensibilidade tardia ou uma angeíte tóxica induzida pelo tabaco. Evidências imunohistoquímicas indicam um processo inflamatório e imunológico, com aumento da produção de citocinas e participação da via de sinalização notch.
A disfunção endotelial também parece contribuir para a patogênese, evidenciada por altos títulos de anticorpos antiendoteliais, invasão vascular da túnica íntima e média, e prejuízo na vasodilatação dependente do endotélio, mesmo em membros aparentemente normais na angiografia. Alterações na regulação da endotelina podem desempenhar papel adicional.
Os fatores protrombóticos são implicados, com a presença de anticorpos anticardiolipina associada a maior risco e gravidade da doença. Assim, a fisiopatologia da TAO envolve uma complexa interação entre processos inflamatórios, imunológicos, endoteliais e trombóticos.
Manifestações clínicas da Tromboangeíte Obliterante
A tromboangeíte obliterante (TAO), ou Doença de Buerger, geralmente acomete fumantes jovens com menos de 45 anos de idade. A doença inicia-se tipicamente com envolvimento das artérias e veias distais dos membros superiores e inferiores, progredindo posteriormente para vasos mais proximais. É comum que duas ou mais extremidades sejam afetadas. Existe uma variação sazonal, com maior incidência de manifestações clínicas no inverno.
As principais manifestações clínicas incluem:
Tromboflebite superficial migratória: pode ser uma das primeiras manifestações da TAO, ocorrendo antes mesmo de sinais de isquemia digital. Caracteriza-se por nódulos dolorosos seguindo trajetos venosos, muitas vezes associados à atividade da doença arterial. A presença de flebite superficial distingue a TAO de outras doenças vasculares oclusivas, embora também possa ser observada na síndrome de Behçet.
Sensibilidade ao frio e Fenômeno de Raynaud: a sensibilidade exacerbada ao frio é outra manifestação precoce. O fenômeno de Raynaud secundário ocorre em mais de 40% dos pacientes, frequentemente de forma assimétrica. Essa sensibilidade pode ser atribuída ao aumento da atividade nervosa simpática muscular ou à isquemia.
Isquemia digital: a apresentação mais comum, com dor nas extremidades e alterações de coloração como rubor ou cianose, fenômeno denominado “cor de Buerger”. A isquemia pode evoluir para ulceração ou gangrena dos dedos das mãos ou dos pés. Estudos indicam que até 66% dos pacientes apresentam ulcerações isquêmicas no momento do diagnóstico, com envolvimento combinado de extremidades superiores e inferiores em uma parcela significativa.
Envolvimento arterial proximal: embora a TAO tipicamente afete vasos pequenos e médios, a progressão para artérias mais proximais pode ocorrer, especialmente com claudicação nos pés, panturrilhas, coxas ou dor nas mãos e braços durante a atividade. O envolvimento de grandes artérias é raro e, quando presente, geralmente ocorre sobreposto à doença de pequenos vasos.
Isquemia de outros órgãos: apesar de raro, a TAO pode acometer artérias de outros territórios, como cerebrais, coronárias, torácicas internas, renais e mesentéricas, podendo provocar manifestações sistêmicas.
Manifestações articulares: artralgias ou artrite podem preceder os sinais isquêmicos em até 12,5% dos casos, afetando principalmente punhos e joelhos. Essas manifestações são autolimitadas e não causam deformidades articulares.
Exame físico
O exame físico desempenha papel fundamental na avaliação dos pacientes com suspeita de tromboangeíte obliterante (TAO). Ele deve ser minucioso, abrangendo tanto o histórico clínico quanto uma inspeção detalhada das extremidades e avaliação neurológica.
- Inspeção das extremidades: procurar por nódulos e cordões venosos superficiais, que podem indicar tromboflebite superficial migratória, uma manifestação precoce da TAO. Observar sinais de isquemia nas mãos e pés, como palidez, cianose, rubor, ulcerações ou gangrena;
- Exame neurológico: avaliar envolvimento dos nervos periféricos, documentando possíveis anormalidades sensitivas. Cerca de 70% dos pacientes com TAO podem apresentar alterações sensoriais;
- Limitações do exame físico: o exame físico isoladamente não permite diferenciar a TAO de outras causas de doença arterial oclusiva, como a doença arterial periférica aterosclerótica. Em pacientes idosos, pode haver sobreposição entre TAO e aterosclerose;
- Avaliação vascular funcional: realizar o Índice Tornozelo-Braquial (ITB) para pacientes com sinais e sintomas nos membros inferiores, para avaliar a perfusão arterial. Realizar o Índice Punho-Braquial (IPB) para avaliação dos membros superiores. Ressalta-se que um ITB ou IPB normal não exclui TAO, já que a doença pode estar restrita aos vasos distais;
- Exames complementares específicos para os dedos: medir pressões digitais e curvas de pulso nos dedos para detectar alterações em vasos pequenos, caso o diagnóstico de TAO seja suspeito;
- Teste de Allen: realizar o teste de Allen para avaliar a circulação colateral das artérias radial e ulnar no punho. Um teste de Allen positivo (oclusão arterial distal ao punho) em jovem fumante com isquemia digital nas extremidades inferiores é altamente sugestivo de TAO. Este teste também pode ser realizado nos pés para avaliação similar. O uso do ultrassom duplex vascular pode ser utilizado como exame complementar para confirmar a circulação.
Exames complementares: o índice tornozelo-braquial (ITB) e o índice punho-braquial (IPB) devem ser realizados, embora possam ser normais se a doença estiver limitada a vasos distais. Exames específicos dos dedos são recomendados. O teste de Allen pode indicar oclusão arterial distal.
Exames laboratoriais: não há exames específicos para a TAO; os testes são utilizados para excluir outras causas de doença vascular oclusiva, como vasculites autoimunes e trombofilias. A presença de anticorpos anticardiolipina pode ocorrer. Além disso, a triagem toxicológica é importante para investigar exposição ao tabaco e cannabis, esta última associada a quadro clínico e patológico indistinguível da TAO.
Diagnóstico de Tromboangeíte Obliterante
O diagnóstico da TAO é predominantemente clínico e deve ser considerado em pacientes jovens fumantes com sinais de isquemia distal, especialmente nas mãos e/ou pés. Contudo, trata-se de um diagnóstico de exclusão, sendo fundamental afastar outras doenças que possam causar sintomas semelhantes.
Embora a biópsia seja o exame que fornece a confirmação histopatológica definitiva, ela é raramente necessária. Na prática, o diagnóstico baseia-se em critérios clínicos, achados angiográficos e na exclusão de outras doenças.
Critérios clínicos para o diagnóstico de TAO
Os critérios clínicos mais utilizados incluem:
- Idade inferior a 50 anos: estudos antigos consideravam até 45 anos, mas atualmente aceita-se até 50 anos.
- Histórico atual ou recente de tabagismo: fator etiológico mais associado à doença.
- Isquemia distal: confirmada por testes vasculares, demonstrando alterações circulatórias nas extremidades acometidas.
- Achados arteriográficos típicos: a angiografia evidencia oclusões segmentares e colaterais características.
- Exclusão de outras causas: é indispensável afastar:
- Doenças autoimunes.
- Trombofilias.
- Diabetes mellitus.
- Fontes embólicas proximais.
Outros critérios já foram propostos, mas são menos frequentemente utilizados.
Papel da biópsia
A biópsia é indicada de forma pontual, sendo o único meio de fornecer um diagnóstico definitivo da TAO. As principais indicações são:
- Nódulos subcutâneos ou tromboflebite superficial: nestes casos, a biópsia de uma veia superficial envolvida pode evidenciar tromboflebite aguda e a lesão típica da fase aguda, confirmando o diagnóstico.
- Achados clínicos atípicos: a biópsia deve ser considerada se houver:
- Envolvimento de grandes artérias;
- Idade superior a 50 anos;
- Diabetes mellitus;
- Autoanticorpos positivos (anticorpos antinucleares ou anticardiolipina).
Nesses casos, a biópsia ajuda a excluir diagnósticos diferenciais, como a síndrome antifosfolipídica, que apresenta trombose sem inflamação, afastando o diagnóstico de TAO.
Quando não há nódulos ou tromboflebite superficial, mas o paciente atende aos critérios clínicos, pode-se considerar a biópsia arterial ou o exame histopatológico de veias ou artérias de membros amputados. Contudo, essas abordagens são raramente realizadas na prática.
Tratamento da Tromboangeíte Obliterante (TAO)
Cessação do tabagismo
A principal e mais eficaz abordagem terapêutica é a cessação completa do uso de tabaco e cannabis, única medida comprovadamente capaz de interromper a progressão da doença e reduzir o risco de amputação.
- Até mesmo o uso esporádico ou de substitutos como adesivos de nicotina deve ser evitado;
- Medicamentos como bupropiona ou vareniclina podem ser utilizados como auxílio;
- Em casos de recidiva, o tratamento hospitalar para dependência pode ser indicado;
- A verificação laboratorial (nicotina/cotinina urinária) pode ser necessária se houver suspeita de cessão incompleta.
Tratamento de úlceras isquêmicas
- Cuidados locais com desbridamento e curativos apropriados.
- Terapia por pressão negativa (vacuum) pode ser benéfica em feridas abertas.
Terapias vasodilatadoras
- Prostaglandinas: iloprost intravenoso é o vasodilatador mais estudado, útil em casos graves, mas com limitações práticas devido ao regime de infusão prolongada.
- Inibidores da fosfodiesterase: cilostazol tem potencial, mas faltam estudos específicos em TAO. Inibidores da PDE-5 (sildenafila, tadalafila) são opções teóricas, mas sem dados em TAO.
- Bloqueadores dos canais de cálcio: indicados em casos de fenômeno de Raynaud secundário associado.
Terapias complementares
- Compressão pneumática intermitente: pode melhorar a perfusão e promover a cicatrização de úlceras, embora exija uso prolongado diário.
- Terapias celulares e gênicas:
- Transplante de células mononucleares da medula óssea mostrou benefícios na cicatrização e na prevenção de amputações em estudos com acompanhamento prolongado;
- Injeções intramusculares de fatores de crescimento, como VEGF, demonstraram melhora na perfusão e na cicatrização em estudos pequenos;
- Outras abordagens incluem estimulação angiogênica com fio de Kirschner, embora pouco utilizada na prática clínica.
Tratamento Intervencionista da TAO
Revascularização
- Geralmente não viável devido ao acometimento distal das artérias, mas pode ser considerada em casos selecionados:
- Cirurgia de revascularização: bypass arterial com veia autóloga ou enxerto omental pode permitir salvamento do membro; patência a longo prazo menor que em doença aterosclerótica, mas com altas taxas de preservação do membro (>90%).
- Intervenção endovascular: angioplastia ou terapia trombolítica pode ser tentada. Estudos mostram taxas de sucesso técnico de 82-100%, com boas taxas de salvamento do membro a médio prazo (≈90%).
Outras intervenções
- Simpatectomia: pode aliviar a dor, mas há pouca evidência sobre a seleção adequada de pacientes.
- Estimulação da medula espinhal: utilizada para manejo da dor, com relatos positivos, embora baseada em dados limitados.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica fora das provas de residência, concursos públicos e avalições. Veja abaixo:
Veja também!
- Resumo de tromboflebite superficial: diagnóstico, tratamento e mais!
- Residência Médica: definição, especialidades, e muito mais
- Resumo sobre carótidas: anatomia, complicações associadas e mais!
- Resumo de Úlceras por Pressão: classificação, tratamento e mais!
- Resumo sobre Insuficiência Venosa Crônica: definição, fisiopatologia e mais!
Referências
Rivera-Chavarría IJ, Brenes-Gutiérrez JD. Thromboangiitis obliterans (Buerger’s disease). Ann Med Surg (Lond). 2016 Mar 29;7:79-82. doi: 10.1016/j.amsu.2016.03.028. PMID: 27144003; PMCID: PMC4840397.
TINCOCO, Pâmella Caroline Alves; SILVESTRE, Paulo Henrique; SIQUEIRA, Carla Silva. Tromboangeíte obliterante: diagnóstico, manejo e tratamento. RBAC, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 307-310, 2016. DOI: 10.21877/2448-3877.201500251.
OLIN, Jeffrey W. Thromboangiitis obliterans (Buerger disease). UpToDate. WALTHAM, MA: UpToDate Inc., 2025. Disponível em:UpToDate. Acesso em: 29 maio 2025.