E aí, doc! Vamos aprofundar em um tema importante? O foco de hoje é a uveíte, uma inflamação intraocular que atinge a úvea, a camada média do olho, e pode comprometer a visão de forma significativa.
No Estratégia MED, o objetivo é simplificar esse tema e apoiar você no aprimoramento de seus conhecimentos, ajudando na identificação e manejo da uveíte para uma prática clínica cada vez mais segura e eficaz.
Vamos nessa!
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Anatomia da Úvea
A úvea é uma estrutura vascular pigmentada do olho, composta pela íris, corpo ciliar e coroide. Ela desempenha um papel vital na irrigação do olho, suprindo a maior parte da circulação sanguínea ocular a partir dos ramos ciliares da artéria oftálmica.
A úvea apresenta diversas funções associadas, como a produção do humor aquoso nos processos ciliares e a acomodação visual. Além disso, auxilia na drenagem do humor aquoso ao contrair os músculos ciliares, facilitando a abertura da malha trabecular.
O trato uveal é a camada vascular do olho, localizada entre a esclera e o neuroepitélio. Composta pela íris, corpo ciliar e coroide, a úvea contém nervos, tecido conjuntivo e melanócitos, que conferem sua pigmentação. É irrigada por artérias ciliares anteriores e posteriores.
A vasculatura coroidal é responsável por 80% da irrigação ocular. A retina humana possui duas barreiras hematorretinianas, interna e externa, que controlam a passagem de substâncias entre a retina neural e os vasos fenestrados da coriocapilar, essenciais para a nutrição e manutenção da retina.
- Íris: a íris é o diafragma localizado à frente do cristalino, responsável pela regulação da quantidade de luz que entra no olho. Composta por três camadas: anterior, estromal e posterior. Ela possui melanócitos que definem a cor dos olhos. Os músculos dilatador e esfíncter da pupila, inervados pelo sistema nervoso autônomo, ajustam o diâmetro pupilar.
- Corpo ciliar: posicionado entre a íris e a coroide, o corpo ciliar participa da produção do humor aquoso e da acomodação visual. É dividido em pars plicata, onde se localizam os processos ciliares, e pars plana. O epitélio ciliar não pigmentado na pars plicata é a principal fonte de produção de humor aquoso.
- Coroide: a coroide é a camada vascular e pigmentada da parte posterior do olho, que se estende até o nervo óptico. É o tecido mais vascularizado do olho, com diversas camadas, incluindo a lâmina fusca, o estroma, a coriocapilar e a membrana de Bruch. Ela nutre o epitélio pigmentar da retina e as camadas retinianas externas.
Etiologias da Uveíte
As etiologias da uveíte são complexas e podem variar amplamente entre os pacientes. A compreensão das diferentes origens da doença é fundamental para um diagnóstico preciso e um tratamento eficaz. Neste contexto, é importante considerar tanto as doenças sistêmicas associadas quanto as condições isoladas que afetam diretamente o olho.
Infecções:
- Vírus:
- Herpes simplex, Varicela-zóster, Citomegalovírus, HIV, Hepatite B e C → Uveíte anterior, intermediária, posterior e panuveíte
- Bactérias:
- Sífilis, Tuberculose → Uveíte anterior e posterior
- Fúngicas:
- Candidíase → Uveíte posterior
- Parasitárias:
- Toxoplasmose → Uveíte posterior
Doenças sistêmicas:
- Artrite reumatoide → Uveíte anterior
- Espondilite anquilosante → Uveíte anterior
- Doença inflamatória intestinal (ex.: Doença de Crohn, colite ulcerativa) → Uveíte anterior
- Síndrome de Behçet → Uveíte anterior, posterior e panuveíte
- Sarcoidose → Uveíte anterior, intermediária
- Lúpus eritematoso sistêmico → Uveíte anterior e posterior
- Esclerose múltipla → Uveíte intermediária
- Doença de Vogt-Koyanagi-Harada → Uveíte anterior e posterior
Reações Medicamentosas e de Hipersensibilidade:
- Rifabutina → Uveíte anterior
- Cidofovir → Uveíte anterior, intermediária ou panuveíte
- Antibióticos fluoroquinolonas (ex.: Moxifloxacino, Ciprofloxacino) → Uveíte anterior
- Bifosfonatos → Uveíte anterior
- Inibidores da cinase BRAF (ex.: Vemurafenibe, Dabrafenibe) → Uveíte anterior e posterior
- Imunoterapia contra o câncer (ex.: Ipilimumabe, Pembrolizumabe, Nivolumabe) → Uveíte anterior e posterior
Síndromes de Uveíte Geralmente Restritas ao Olho:
- Pars planitis → Uveíte intermediária
- Chorioretinite de chumbo de pássaro → Uveíte posterior
- Oftalmia simpática → Uveíte anterior, intermediária e posterior
- Inflamação pós-traumática → Uveíte anterior
- Uveíte de recuperação imunológica → Uveíte anterior
- Uveíte idiopática → Uveíte anterior e intermediária
Manifestações clínicas da uveíte
As manifestações clínicas da uveíte variam conforme a localização da inflamação no trato uveal, que pode afetar a câmara anterior, o vítreo, a retina ou a coroide.
Uveíte anterior
A uveíte anterior, também conhecida como irite, é a forma mais comum. Ela se caracteriza por dor ocular, fotofobia (sensibilidade à luz), lacrimejamento e vermelhidão, que geralmente é observada ao redor da junção córnea-esclera (limbo).
Em alguns casos, a vermelhidão pode ser menos pronunciada, especialmente quando a inflamação começa de forma insidiosa, como acontece na artrite idiopática juvenil. Além disso, é comum a presença de pupila contraída e leucócitos na câmara anterior, visíveis ao exame com lâmpada de fenda.
O flare, uma névoa no humor aquoso causada pelo acúmulo de proteínas, também pode ser observado. A perda visual associada à uveíte anterior pode variar conforme a gravidade da inflamação.
Uveíte intermediária
A uveíte intermediária, ou pars planitis, é uma forma que geralmente não apresenta dor significativa. Os pacientes podem relatar moscas volantes e diminuição da acuidade visual, mas os sintomas costumam ser inespecíficos.
Nos exames, é possível observar leucócitos no humor vítreo e exsudatos inflamatórios, conhecidos como “bancos de neve”, que aparecem na região da pars plana, entre a retina e o corpo ciliar. Embora a dor não seja característica dessa forma de uveíte, a perda visual pode ocorrer devido ao envolvimento da retina e do vítreo.
Uveíte posterior
A uveíte posterior é outra forma de inflamação ocular que geralmente não causa dor, mas pode resultar em alterações visuais como visão embaçada e diminuição da acuidade visual, além de moscas volantes.
A inflamação coriorretiniana ativa, que afeta a retina e a coroide, pode ser detectada durante o exame oftalmológico. Leucócitos podem ser observados no humor vítreo, e em alguns casos, a inflamação pode levar a uma perda significativa da visão, especialmente se a retina for severamente afetada.
Panuveíte
A panuveíte é uma forma grave de uveíte que envolve simultaneamente a câmara anterior, o vítreo e a retina ou a coroide. Os sintomas podem incluir dor ocular intensa, fotofobia, visão turva e acentuada diminuição da acuidade visual.
Nos exames, é possível observar inflamação em todas as camadas afetadas do olho. A panuveíte pode causar uma perda visual significativa, dependendo do grau de comprometimento das estruturas oculares.
Diagnóstico de Uveíte
O diagnóstico de uveíte começa com uma avaliação detalhada dos sintomas do paciente, incluindo dor ocular, sensibilidade à luz, alteração visual e vermelhidão persistente. Em casos de suspeita de uveíte, é fundamental encaminhar o paciente a um oftalmologista para exames especializados, como a lâmpada de fenda e exame de fundo de olho dilatado.
O mnemônico RSVP pode ser útil para determinar a necessidade de encaminhamento. O “R” representa a vermelhidão persistente no olho, o “S” refere-se à sensibilidade à luz, o “V” indica alteração visual e o “P” está associado à dor ocular. Sintomas agudos, como dor intensa e perda de visão, exigem uma avaliação oftalmológica imediata.
Durante o exame oftalmológico, o oftalmologista pode observar leucócitos na câmara anterior do olho, o que é característico da uveíte anterior. Para os tipos intermediário e posterior de uveíte, a inflamação é diagnosticada pela visualização direta da coriorretinite ou pela detecção de leucócitos no vítreo.
O diagnóstico de panuveíte é feito quando há inflamação simultânea na câmara anterior, no vítreo e na retina ou coroide. A lâmpada de fenda, juntamente com lentes especiais ou um oftalmoscópio indireto, é usada para realizar um exame completo do olho posterior, o que inclui técnicas como a depressão escleral para detectar exsudatos inflamatórios e sinais de pars planitis.
Tratamento de Uveíte
Cada tratamento e dose específica deve ser ajustado conforme a resposta do paciente e monitorado regularmente pelo oftalmologista.
Uveíte Anterior:
- Corticosteroides tópicos: Acetato de prednisolona a 1%, geralmente aplicados 4 vezes ao dia para inflamações leves e, em casos graves, podem ser aplicados de hora em hora, ajustando conforme a resposta ao tratamento.
- Colírios dilatadores: Ciclopentolato a 1%, normalmente administrado em 1 gota 3 vezes ao dia no olho afetado para aliviar a dor e prevenir sinequias.
Uveíte Intermediária:
- Corticosteroides sistêmicos: Prednisona oral, iniciada geralmente com uma dose entre 40-60 mg/dia, ajustada com o tempo conforme a resposta e reduzida gradativamente.
- Injeções perioculares: Triancinolona (40 mg) administrada via injeção periocular ou subtenoniana, a depender da intensidade da inflamação. A frequência é ajustada pelo médico com base na resposta do paciente.
Uveíte Posterior:
- Glicocorticoides sistêmicos: Prednisona em dose inicial de 40-60 mg/dia, com redução progressiva após controle da inflamação.
- Injeções intraoculares: Implantes de fluocinolona (0,59 mg), que podem liberar o medicamento por até 2,5 anos para inflamações crônicas, ou injeções de triancinolona (4 mg), que são usadas em intervalos dependendo da resposta.
Panuveíte:
- Glicocorticoides sistêmicos: Prednisona, na mesma posologia usada para uveíte posterior, com ajuste gradual.
- Imunossupressores: Para casos graves ou resistentes, agentes como metotrexato (7,5-25 mg semanalmente) são usados, dependendo da necessidade e resposta individual.
- Injeções intraoculares e perioculares: Podem ser aplicadas de acordo com a inflamação ativa.
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Referências
George N Papaliodis, MD. Uveitis: Treatment. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
George N Papaliodis, MD. Uveitis: Etiology, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
YANOFF, Myron; DUKER, Jay S. Oftalmologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.