Olá, querido doutor e doutora! Hoje vamos analisar o caso de uma paciente que chega ao consultório com sintomas que, à primeira vista, podem parecer simples, mas escondem um defeito cardíaco congênito de importância clínica. Dispneia aos esforços, palpitações e leve edema periférico formam o início dessa história. Vamos juntos investigar!
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Informações do paciente
Nome: Maria Eduarda S.
Idade: 26 anos
Motivo da consulta: Episódios recorrentes de palpitações, falta de ar aos esforços e cansaço progressivo nos últimos meses.
Histórico da moléstia atual
A paciente refere que, há cerca de oito meses, iniciou dispneia progressiva aos esforços, inicialmente perceptível apenas ao subir escadas ou caminhar longas distâncias. Relata também episódios esporádicos de palpitações, descritas como batimentos cardíacos rápidos e irregulares, sem relação clara com situações de estresse ou atividade física. Ao longo dos últimos quatro meses, notou redução da tolerância a atividades cotidianas, passando a apresentar cansaço mesmo ao realizar tarefas simples, como varrer a casa ou carregar compras leves.
Nos dois meses mais recentes, percebeu edema discreto em tornozelos no final do dia, acompanhado de sensação de peso nas pernas, que melhora parcialmente após repouso noturno. Nega dor torácica, síncope, febre, tosse ou perda de peso. Não fez uso de medicamentos para alívio dos sintomas e não identifica fatores de melhora, exceto o repouso relativo. Reforça que, antes do início do quadro, mantinha uma rotina ativa compatível com sua idade, sem limitações físicas.
História patológica pregressa
A paciente nega diagnóstico prévio de doenças crônicas como hipertensão arterial, diabetes mellitus ou dislipidemia. Nunca foi submetida a cirurgias e não possui histórico de hospitalizações. Nega alergias medicamentosas ou alimentares conhecidas. Não faz uso contínuo de medicamentos. Relata que, na infância, não apresentou infecções cardíacas ou doenças reumáticas, e que as consultas de rotina sempre foram consideradas normais. Não há antecedentes de febre reumática, cardiopatias diagnosticadas ou episódios de endocardite.
Histórico familiar
Relata que um irmão mais velho foi diagnosticado na infância com um “sopro no coração”, sem necessidade de intervenção cirúrgica, mas sem detalhes sobre o tipo de cardiopatia. Nega histórico de morte súbita ou doenças cardíacas graves em parentes de primeiro grau. Não há casos conhecidos de síndromes genéticas na família. Menciona que a mãe possui hipertensão arterial controlada e que o pai é saudável, sem uso contínuo de medicações.
Histórico social
A paciente nunca fumou e relata consumo eventual de bebidas alcoólicas em encontros sociais, sem uso de drogas ilícitas. Mantém alimentação variada, porém com ingestão frequente de alimentos industrializados e baixa ingestão de frutas e vegetais frescos. Não pratica atividade física regularmente, levando um estilo de vida predominantemente sedentário. Refere sono médio de 7 horas por noite, geralmente reparador, mas com queixas ocasionais de cansaço matinal. Trabalha como assistente administrativa, permanecendo longos períodos sentada, e não relata exposição ocupacional a substâncias químicas ou ambientes insalubres.
Exame físico
Paciente em bom estado geral, normocorada, hidratada, afebril e eupneica em repouso.
Sinais vitais: pressão arterial 112/70 mmHg, frequência cardíaca 88 bpm, frequência respiratória 16 irpm, saturação periférica de oxigênio 97% em ar ambiente, temperatura 36,5 °C.
Ausculta cardíaca: presença de desdobramento fixo e amplo da segunda bulha e sopro sistólico suave em foco pulmonar, compatível com hiperfluxo pela válvula pulmonar.
Ausculta pulmonar: murmúrio vesicular preservado, sem ruídos adventícios.
Abdome: plano, flácido, indolor à palpação, sem visceromegalias.
Extremidades: discreto edema maleolar bilateral, sem sinais de trombose venosa profunda. Pele íntegra, sem cianose ou lesões visíveis.
Exames complementares
Foi realizada ecocardiografia transtorácica, que evidenciou defeito no septo interatrial compatível com comunicação interatrial tipo ostium secundum, com shunt esquerda-direita significativo (Qp/Qs = 1,8:1). Observou-se dilatação de átrio e ventrículo direitos, leve aumento da pressão sistólica da artéria pulmonar e hiperfluxo pulmonar ao Doppler colorido. O exame com contraste de microbolhas confirmou a presença do shunt interatrial.
A radiografia de tórax mostrou discreto aumento da área cardíaca, com realce do arco médio direito, sugestivo de dilatação atrial direita, e aumento do fluxo vascular pulmonar. O eletrocardiograma revelou ritmo sinusal, eixo desviado para a direita e sinais de sobrecarga atrial direita.
Hipótese diagnóstica
O conjunto de achados clínicos — incluindo dispneia aos esforços, palpitações, edema periférico discreto, presença de desdobramento fixo da segunda bulha e sopro sistólico em foco pulmonar — associado aos exames de imagem que demonstraram defeito no septo interatrial tipo ostium secundum com shunt esquerda-direita significativo e dilatação de câmaras direitas, é compatível com o diagnóstico de comunicação interatrial (CIA) com repercussão hemodinâmica relevante. Trata-se de quadro sintomático, com evidências de sobrecarga cardíaca direita e aumento do fluxo pulmonar, indicando necessidade de intervenção.
Condutas
Indicar fechamento percutâneo da comunicação interatrial, visto que se trata de defeito tipo ostium secundum com anatomia favorável, shunt significativo (Qp/Qs > 1,5:1), dilatação de câmaras direitas e presença de sintomas. O procedimento deverá ser realizado com implante de dispositivo por cateter, sob guia ecocardiográfico transesofágico, seguido de terapia antiplaquetária por cerca de seis meses.
Manter acompanhamento regular com cardiologia, monitorando função ventricular e evolução clínica. Orientar mudanças no estilo de vida, com início gradual de atividade física leve após liberação médica, melhora dos hábitos alimentares e redução do consumo de alimentos ultraprocessados. Realizar profilaxia de endocardite infecciosa nos primeiros seis meses após o procedimento e manter vigilância para o controle de possíveis arritmias, introduzindo tratamento específico caso necessário.
Perguntas
- Qual o exame de escolha para confirmar o diagnóstico de CIA?
O exame de escolha é a ecocardiografia transtorácica, pois permite visualizar o defeito, avaliar tamanho, localização e repercussão hemodinâmica, além de estimar pressões pulmonares e identificar shunts pelo Doppler colorido.
- Quais são as principais complicações da CIA não tratada?
Incluem hipertensão pulmonar irreversível, insuficiência cardíaca direita, arritmias atriais persistentes, embolia paradoxal e síndrome de Eisenmenger, que pode evoluir com cianose e hipoxemia crônica.
- Em quais casos o fechamento percutâneo está indicado?
Está indicado para CIA tipo ostium secundum com anatomia favorável, presença de shunt significativo (Qp/Qs > 1,5:1), dilatação de câmaras direitas ou sintomas relacionados, desde que não haja contraindicações anatômicas ou clínicas.
Resumo de Comunicação Interatrial (CIA)
Definição
A comunicação interatrial (CIA) é uma malformação cardíaca congênita caracterizada por abertura persistente no septo interatrial, permitindo o fluxo anômalo de sangue entre os átrios. Na maioria dos casos, a pressão mais elevada no átrio esquerdo provoca shunt da esquerda para a direita, resultando em sobrecarga de câmaras direitas e aumento do fluxo pulmonar.
Fisiopatologia
A diferença pressórica entre átrios promove sobrecarga volumétrica atrial e ventricular direita, além de hiperfluxo pulmonar. Com o tempo, ocorre remodelamento vascular pulmonar e aumento da resistência vascular, podendo haver inversão do fluxo (direita-esquerda) e desenvolvimento da síndrome de Eisenmenger.
Classificação
A classificação é feita conforme a localização do defeito:
- Ostium secundum – mais comum, localizado na fossa oval.
- Ostium primum – junto ao crux cordis, frequentemente associado a defeitos de coxim endocárdico.
- Seio venoso – superior ou inferior, muitas vezes acompanhado de drenagem venosa pulmonar anômala parcial.
- Seio coronariano – raro, por ausência parcial ou total do teto do seio coronário.
Epidemiologia e fatores de risco
A incidência estimada é de 1,6 por 1.000 nascidos vivos, sendo mais frequentemente diagnosticada na vida adulta. Fatores de risco incluem síndromes genéticas (Down, Holt-Oram), história familiar de cardiopatia congênita e exposições maternas nocivas (álcool, tabaco, drogas, certos antidepressivos) durante a gestação.
Quadro clínico
Pode ser assintomática na infância. Quando presente, inclui dispneia, fadiga, palpitações e infecções respiratórias recorrentes. Em estágios avançados, surgem insuficiência cardíaca direita, hipertensão pulmonar, cianose e risco de embolia paradoxal. O exame físico revela desdobramento fixo e amplo da segunda bulha e sopro sistólico em foco pulmonar.
Diagnóstico
O exame de escolha é a ecocardiografia, que identifica o defeito, define seu tamanho e repercussão hemodinâmica. O eletrocardiograma pode mostrar sinais de sobrecarga atrial ou ventricular direita, e a radiografia de tórax pode evidenciar aumento da área cardíaca e hiperfluxo pulmonar.
Tratamento
- Conduta expectante para defeitos pequenos, assintomáticos e sem repercussão hemodinâmica.
- Fechamento percutâneo para CIA ostium secundum com shunt significativo e anatomia favorável.
- Correção cirúrgica para casos não elegíveis ao percutâneo ou associados a outras cardiopatias.
- Tratamento de arritmias, anticoagulação quando indicada e profilaxia de endocardite no pós-fechamento.
Prognóstico
O prognóstico é excelente quando a correção é realizada precocemente, com regressão da sobrecarga cardíaca e redução do risco de arritmias e hipertensão pulmonar. CIAs não tratadas com repercussão hemodinâmica relevante podem evoluir para complicações graves.
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Referências Bibliográficas
- GEVA, T.; MARTINS, J. D.; WALD, R. M. Atrial septal defects. Lancet, v. 383, n. 9932, p. 1921-1932, 2014.
- MENILLO, A. M.; ALAHMADI, M. H.; PEARSON-SHAVER, A. L. Atrial Septal Defect. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls.
- SILVERSIDES, C. K. et al. Canadian Cardiovascular Society Consensus Conference on the management of adults with congenital heart disease: shunt lesions. Canadian Journal of Cardiology, v. 26, n. 3, p. e70-e79, 2010.