Olá, querido doutor e doutora! O modelo de Leavell e Clark representa um marco na sistematização das ações preventivas em saúde, oferecendo uma leitura cronológica do adoecimento e orientando a prática clínica. Ao longo do tempo, esse esquema foi ampliado para incluir novas dimensões do cuidado, como a prevenção quaternária, que convida à reflexão ética e relacional na prática médica.
A história natural da doença permite que o cuidado clínico seja planejado com base no tempo de atuação ideal em cada etapa.
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Contexto histórico do modelo
O modelo de Leavell e Clark surgiu na década de 1950, em um cenário marcado pela reorganização dos sistemas de saúde e pelo fortalecimento das ações preventivas após a Segunda Guerra Mundial. Os autores, ambos médicos com atuação em saúde pública, buscaram uma forma didática de compreender a evolução cronológica das doenças e as possibilidades de intervenção médica em cada fase. Essa proposta, inicialmente voltada para a história natural da doença, estruturava a atuação médica em três etapas: prevenção primária, secundária e terciária, associadas ao curso natural do adoecimento, desde a exposição ao agente até os desfechos clínicos.
A proposta teve rápida difusão por sua utilidade na prática médica e no planejamento sanitário. Sua lógica era compatível com o paradigma biomédico dominante, que priorizava doenças infecciosas, agentes etiológicos bem definidos e ações direcionadas ao indivíduo. No entanto, a simplicidade do modelo também o tornou alvo de críticas nas décadas seguintes, especialmente no contexto da Medicina Social Latino-Americana, que passou a reivindicar uma visão ampliada do processo saúde-doença, incorporando determinantes sociais e culturais ao debate. Ainda assim, o modelo segue sendo uma referência estruturante na formação médica e nos sistemas de saúde que adotam a prevenção como eixo organizador da atenção.
Descrição dos níveis de prevenção
O modelo de Leavell e Clark organiza a atuação médica preventiva em três níveis cronológicos, que acompanham a evolução da doença desde o risco até os desfechos funcionais. Com o tempo, foram incorporados dois novos níveis: primordial e quaternário, que ampliam a abrangência das ações de saúde, tanto no coletivo quanto na clínica individual.
Prevenção primordial
Propõe-se antes mesmo do surgimento dos fatores de risco, atuando sobre as condições sociais, econômicas e ambientais que favorecem sua instalação. Envolve, por exemplo, políticas públicas que promovem saneamento básico, alimentação adequada, segurança viária e acesso à educação.
Esse nível busca evitar que os fatores de risco se instalem na população, sendo particularmente relevante para lidar com determinantes sociais da saúde e iniquidades estruturais.
Prevenção primária
Consiste em impedir o aparecimento da doença, atuando diretamente sobre os fatores de risco já identificados. São exemplos clássicos: vacinação, orientação nutricional, prática de atividade física e cessação do tabagismo.
A prevenção primária é aplicada no período pré-patogênico, ou seja, quando ainda não há alterações clínicas ou laboratoriais detectáveis, mas há suscetibilidade.
Prevenção secundária
Foca na detecção precoce de doenças em fases assintomáticas, permitindo o início imediato do tratamento e a limitação de complicações. Inclui ações como rastreamento populacional (mamografia, Papanicolau, testes rápidos), exames periódicos e triagens clínicas.
O objetivo é interromper a progressão natural do agravo, reduzindo morbidade e custos associados a formas avançadas da doença.
Prevenção terciária
Aplica-se quando a doença já se instalou e busca minimizar suas consequências, prevenindo incapacidades, reduzindo sofrimento e promovendo reabilitação física, funcional e social.
São exemplos: programas de reabilitação pós-AVC, controle de comorbidades em diabéticos, fisioterapia e reeducação alimentar em pacientes com doenças crônicas.
Esse nível está fortemente relacionado ao cuidado contínuo e interdisciplinar, centrado na qualidade de vida do paciente.
Prevenção quaternária
Introduzida mais recentemente, propõe-se a identificar situações de risco de hipermedicalização, protegendo o paciente de exames, diagnósticos e tratamentos desnecessários ou potencialmente danosos.
Envolve ações como: evitar rastreamentos de baixo valor preditivo, limitar uso irracional de antibióticos, revisar medicações potencialmente inapropriadas (deprescrição) e promover decisões compartilhadas baseadas em evidência e valores do paciente.
Trata-se de uma abordagem que reforça a ética clínica, a escuta ativa e a autonomia, buscando harmonia entre ciência e humanidade no cuidado médico.
Conceito de história natural da doença
A história natural da doença representa o percurso biológico e clínico de um agravo à saúde em sua progressão espontânea, sem interferência médica. Essa concepção, sistematizada por Leavell e Clark, oferece uma linha do tempo do adoecer que possibilita organizar as ações de prevenção conforme o estágio em que se encontram o indivíduo e a doença. A estrutura do modelo está dividida em dois grandes períodos: o pré-patogênico e o patogênico.
Período pré-patogênico
No período pré-patogênico, ainda não há manifestações clínicas nem alterações celulares perceptíveis. A atenção está voltada para a interação entre agente etiológico, hospedeiro suscetível e ambiente favorável, compondo a clássica tríade ecológica. É neste momento que se concentram as ações de promoção da saúde e prevenção primária, pois há oportunidade de impedir que a doença se instale.
Período patogênico
Já no período patogênico, o processo morboso está em curso, mesmo que ainda assintomático. Ele inicia-se com alterações subclínicas e pode evoluir para sintomas, diagnóstico, tratamento e reabilitação. A evolução pode resultar em cura, sequelas ou óbito. Nesse intervalo se inserem as ações de prevenção secundária (diagnóstico precoce e tratamento imediato) e terciária (reabilitação e redução de danos).
Ao descrever o adoecer como um fenômeno sequencial e previsível, a história natural da doença permite que o cuidado clínico seja planejado com base no tempo de atuação ideal em cada etapa, favorecendo intervenções oportunas e racionalização de recursos. Apesar de seu valor didático e estratégico, esse modelo tem sido complementado por outras abordagens que consideram a complexidade dos determinantes sociais, culturais e subjetivos do processo saúde-doença.
Relevância clínica atual
Apesar das transformações no entendimento do processo saúde-doença nas últimas décadas, o modelo de Leavell e Clark ainda mantém importância prática na organização dos serviços de saúde e na formação clínica. Sua estrutura didática continua sendo uma ferramenta útil para o raciocínio preventivo e para o planejamento de ações em diferentes níveis de atenção. Ao delimitar os momentos em que cada intervenção pode ser mais eficaz, o modelo auxilia médicos a alinharem condutas clínicas à cronologia do adoecimento, promovendo decisões mais adequadas e custo-efetivas.
Na atenção primária, sua aplicabilidade se evidencia ao orientar desde estratégias populacionais de imunização e rastreamento, até ações focadas em reabilitação e cuidado longitudinal. O uso articulado dos níveis de prevenção favorece uma abordagem clínica que transcende o tratamento da doença já instalada, ampliando o foco para a promoção da saúde e para a prevenção de agravos futuros.
Além disso, a introdução da prevenção quaternária fortalece a dimensão ética da prática médica contemporânea. A capacidade de reconhecer situações em que o excesso de exames, diagnósticos ou tratamentos pode gerar mais dano do que benefício é fundamental para evitar iatrogenias, preservar a autonomia do paciente e promover uma medicina mais prudente e centrada na pessoa.
Assim, mesmo com limitações epistemológicas, o modelo continua sendo um marco de referência que pode ser enriquecido quando articulado a outras abordagens clínicas, sociais e humanísticas. Seu valor está, hoje, não na rigidez da sua estrutura, mas na possibilidade de integração com modelos mais complexos de cuidado, que reconheçam as múltiplas dimensões do adoecer e promovam um cuidado mais integral.
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Referências Bibliográficas
- JAMOULLE, Marc et al. As palavras da prevenção, parte I: mudando o modelo. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, v. 10, n. 35, p. 1–9, abr./jun. 2015.
- PANDVE, Harshal Tukaram. Changing concept of disease prevention: From primordial to quaternary. Archives of Medicine and Health Sciences, v. 2, n. 2, p. 254–256, jul./dez. 2014.
- PUTTINI, Rodolfo Franco; PEREIRA JUNIOR, Alfredo; OLIVEIRA, Luiz Roberto. Modelos explicativos em Saúde Coletiva: abordagem biopsicossocial e auto-organização. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 753–767, 2010.