Olá, querido doutor e doutora! A alergia ao amendoim é uma das formas mais comuns e potencialmente graves de alergia alimentar mediada por IgE, representando causa frequente de anafilaxia em crianças e adultos.
Mesmo pequenas quantidades de amendoim podem desencadear reações sistêmicas graves, exigindo intervenção imediata com epinefrina.
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O que é alergia a amendoim
A alergia ao amendoim é uma reação de hipersensibilidade imediata mediada por IgE desencadeada pela ingestão ou exposição a proteínas do amendoim (Arachis hypogaea). Trata-se de uma das alergias alimentares mais prevalentes e potencialmente graves, capaz de provocar desde manifestações cutâneas leves até anafilaxia com risco de morte.
Epidemiologia
A alergia ao amendoim é uma das alergias alimentares mais comuns em países ocidentais, apresentando prevalência entre 0,2% e 8,6% conforme a população estudada e os métodos diagnósticos utilizados. Observa-se um aumento progressivo da incidência nas últimas décadas, atribuído a mudanças nos hábitos alimentares e à introdução tardia de amendoim na dieta infantil.
Quem é mais afetado
A condição é mais frequente em crianças, com início habitual nos primeiros anos de vida, embora também possa persistir na idade adulta ou se manifestar de forma tardia. Há maior risco em indivíduos com doenças atópicas, como asma, rinite alérgica e dermatite atópica, bem como em pessoas com história familiar de alergia alimentar.
Incidência e prevalência
Estudos populacionais nos Estados Unidos mostram que a prevalência autorreferida de alergia ao amendoim em adultos é de aproximadamente 2,9%, enquanto a prevalência confirmada por médico é de cerca de 1,3%. Em crianças, as taxas tendem a ser mais elevadas.
A persistência da alergia é observada em uma proporção significativa dos casos, sendo raro o desaparecimento espontâneo na vida adulta.
Fatores de risco
Diversos fatores estão associados ao desenvolvimento de alergia ao amendoim, refletindo a interação entre predisposição genética, condições atópicas prévias e exposição alimentar.
Condições atópicas associadas
Pacientes com asma, dermatite atópica ou rinite alérgica apresentam risco aumentado para alergias alimentares mediadas por IgE, incluindo a do amendoim. A inflamação crônica das vias respiratórias e da pele pode facilitar a sensibilização a alérgenos alimentares.
História familiar de alergia
A presença de pais ou irmãos com alergias alimentares, asma ou outras doenças atópicas eleva a probabilidade de o indivíduo desenvolver alergia ao amendoim, sugerindo influência genética na resposta imune e na produção de IgE específica.
Introdução tardia de amendoim na dieta
Estudos indicam que o retardo na introdução de amendoim ou derivados durante a infância pode aumentar o risco de sensibilização. A introdução precoce (entre 4 e 11 meses), especialmente em lactentes com risco atópico, tem sido associada à menor incidência de alergia, segundo diretrizes recentes.
Exposição ambiental e contato cutâneo
A exposição não oral ao amendoim — como contato cutâneo em crianças com dermatite atópica — pode promover sensibilização alérgica sem ingestão direta, o que reforça a importância da integridade da barreira cutânea.
Fatores adicionais
Outros fatores possivelmente relacionados incluem:
- Uso precoce de antibióticos e alterações da microbiota intestinal;
- Cesarianas, que reduzem a colonização bacteriana protetora;
- Baixa exposição a alérgenos na primeira infância, em concordância com a “hipótese da higiene”.
Esses elementos, isoladamente ou em combinação, contribuem para o risco aumentado de alergia ao amendoim e orientam estratégias de prevenção e manejo precoce em populações vulneráveis.
Fisiopatologia
A alergia ao amendoim é uma reação de hipersensibilidade imediata tipo I, mediada por imunoglobulina E (IgE), que ocorre após exposição às proteínas alergênicas do amendoim, como Ara h 1, Ara h 2 e Ara h 3. O processo envolve duas fases principais: sensibilização inicial e resposta alérgica subsequente.
Fase de sensibilização
Na primeira exposição ao alérgeno, o organismo de indivíduos predispostos reconhece as proteínas do amendoim como antígenos estranhos. Essas proteínas são captadas por células apresentadoras de antígeno (como células dendríticas), que ativam linfócitos T CD4+ do tipo Th2.
Essas células liberam citocinas (IL-4, IL-5, IL-13) que induzem os linfócitos B a produzir IgE específica contra as proteínas do amendoim. As moléculas de IgE se ligam aos receptores de alta afinidade (FcεRI) presentes na superfície de mastócitos e basófilos, tornando o indivíduo sensibilizado.
Fase de reexposição e reação alérgica
Na reexposição, mesmo a pequenas quantidades de amendoim, o alérgeno liga-se às moléculas de IgE fixadas aos mastócitos e basófilos, provocando degranulação celular imediata e liberação de mediadores inflamatórios, como:
- Histamina – causa vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, edema e prurido.
- Leucotrienos e prostaglandinas – responsáveis por broncoespasmo, hipersecreção mucosa e contração de musculatura lisa.
- Citocinas pró-inflamatórias – amplificam a resposta imune e recrutam eosinófilos e neutrófilos.
Manifestações sistêmicas
A liberação sistêmica desses mediadores resulta em um espectro de sintomas que variam de urticária e angioedema até anafilaxia, caracterizada por hipotensão, broncoespasmo e colapso cardiovascular.
A intensidade da reação depende da quantidade de alérgeno, do grau de sensibilização e de fatores concomitantes, como infecções virais ou uso de anti-inflamatórios não esteroides.
Avaliação clínica
Manifestações leves e moderadas
As formas mais comuns são as cutâneas e gastrointestinais. O paciente pode apresentar prurido generalizado, urticária e eritema difuso, frequentemente acompanhados de edema em lábios, pálpebras ou face. Em alguns casos, ocorre angioedema orofaríngeo, que provoca sensação de aperto na garganta e desconforto para engolir.
O envolvimento gastrointestinal manifesta-se com dor abdominal, cólicas, náuseas, vômitos e diarreia, resultantes da liberação local de histamina e outros mediadores inflamatórios na mucosa intestinal. Esses sintomas geralmente se resolvem com tratamento sintomático e remoção do agente desencadeante, mas podem evoluir rapidamente para quadros mais graves.
Envolvimento respiratório
A reação respiratória é um sinal de alerta para progressão sistêmica. Ocorrem tosse persistente, rouquidão, dispneia e sibilância, podendo evoluir para broncoespasmo e edema de glote. Essas manifestações são consequência da liberação generalizada de mediadores inflamatórios, que causam edema de mucosas e constrição da musculatura brônquica.
Em crianças e adolescentes, o envolvimento respiratório é especialmente preocupante, pois associa-se a maior risco de anafilaxia fatal.
Comprometimento cardiovascular
Nos casos mais severos, há vasodilatação sistêmica acentuada e aumento da permeabilidade capilar, levando a hipotensão, taquicardia e colapso circulatório. O paciente pode referir tontura, fraqueza ou perda de consciência.
Essas alterações configuram a fase cardiovascular da anafilaxia, na qual o uso de epinefrina intramuscular imediata é indispensável para restaurar a perfusão tecidual e evitar evolução fatal.
Anafilaxia
A anafilaxia é a forma mais grave da alergia ao amendoim e representa uma emergência médica potencialmente letal. É caracterizada por envolvimento simultâneo de múltiplos sistemas orgânicos, geralmente iniciando-se com sintomas cutâneos e rapidamente evoluindo para manifestações respiratórias e cardiovasculares.
O diagnóstico é clínico e baseia-se na presença de urticária e angioedema associados a dispneia, chiado, edema de glote ou hipotensão arterial. A progressão pode ser extremamente rápida, e episódios bifásicos — com recorrência de sintomas horas após a melhora inicial — não são incomuns, justificando observação hospitalar após o evento.
Diagnóstico
Testes alérgicos
O teste cutâneo de puntura (skin prick test) é considerado o método inicial de escolha para confirmar a sensibilização. O exame é positivo quando há pápula e eritema local após exposição ao extrato de amendoim, indicando presença de IgE específica ligada aos mastócitos cutâneos.
Entretanto, o teste deve ser adiado em situações específicas, como anemia grave, uso recente de anti-histamínicos, dermatografismo ou episódios recentes de anafilaxia, que podem interferir no resultado ou aumentar o risco de reação.
Nos casos em que o teste cutâneo é contraindicado ou inconclusivo, pode-se recorrer à dosagem sérica de IgE específica para amendoim. A quantificação de componentes moleculares, em especial o Ara h 2, tem maior valor preditivo para reações clínicas graves, diferenciando sensibilização assintomática de alergia clinicamente significativa.
Teste de provocação oral
Quando há dúvida diagnóstica após os testes anteriores, o teste de provocação oral com amendoim é o padrão-ouro. Deve ser realizado sob supervisão médica em ambiente hospitalar, com recursos de suporte avançado, devido ao risco de anafilaxia.
O teste consiste na administração gradual de quantidades crescentes de amendoim até o surgimento de sintomas clínicos. Em situações de incerteza diagnóstica persistente, pode ser indicado um teste de provocação duplo-cego controlado por placebo, especialmente em estudos clínicos.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui outras alergias alimentares IgE-mediadas, como à castanha de caju, noz, amêndoa ou soja, além de reações não alérgicas (intolerâncias alimentares, reações tóxicas ou farmacológicas). É importante distinguir entre sensibilização laboratorial sem manifestação clínica e alergia verdadeira, que implica risco de reação sistêmica.
Tratamento
Evitação e medidas preventivas
A evitação completa do amendoim e de produtos que o contenham é o pilar do tratamento. Mesmo traços residuais presentes em alimentos industrializados podem desencadear reações graves.
É fundamental orientar o paciente quanto à leitura rigorosa de rótulos, risco de contaminação cruzada em ambientes de preparo de alimentos e uso de nomes alternativos que indiquem presença de amendoim em produtos processados.
Crianças em idade escolar e seus cuidadores devem receber orientações específicas sobre prevenção e reconhecimento precoce dos sintomas. A introdução de amendoim em crianças de risco (com dermatite atópica ou alergia a ovo, por exemplo) deve ser conduzida de forma individualizada, preferencialmente sob supervisão de alergologista.
Manejo das reações leves
Nos casos de reações cutâneas isoladas ou sintomas leves, o uso de anti-histamínicos orais (como difenidramina ou cetirizina) pode aliviar prurido, urticária e eritema.
Entretanto, o paciente deve ser observado cuidadosamente, pois reações inicialmente leves podem evoluir rapidamente para manifestações sistêmicas. A persistência ou progressão dos sintomas requer intervenção emergencial imediata.
Tratamento das reações graves e anafilaxia
A anafilaxia é uma emergência médica que requer tratamento imediato com epinefrina intramuscular, aplicada na face anterolateral da coxa. A dose pode ser repetida a cada 5 a 15 minutos se houver resposta incompleta ou recorrência dos sintomas.
Durante o evento, devem ser instituídas medidas de suporte de vias aéreas, oxigenoterapia e, se necessário, infusão de líquidos intravenosos para correção da hipotensão.
Corticosteroides sistêmicos não devem ser usados como terapia inicial, pois têm início de ação lento e não previnem reações bifásicas, embora possam ser administrados como tratamento adjuvante à epinefrina.
O uso de broncodilatadores inalatórios, como albuterol, pode ser indicado em casos de broncoespasmo persistente após o uso de epinefrina.
Após o controle da crise, recomenda-se observação hospitalar por 4 a 8 horas, especialmente em pacientes com história de reações graves, devido à possibilidade de recidiva tardia dos sintomas.
Prescrição de epinefrina autoinjetável
Todo paciente com alergia ao amendoim confirmada deve portar um autoinjetor de epinefrina e ser treinado em seu uso. Essa recomendação aplica-se mesmo a indivíduos que apresentaram apenas reações leves, já que reações futuras podem ser mais severas e imprevisíveis.
Deve-se fornecer ao paciente um plano de ação escrito, contendo instruções sobre quando administrar a medicação, como proceder após o uso e quando buscar atendimento de emergência.
Terapias imunológicas e farmacológicas
A imunoterapia oral com proteína de amendoim padronizada (Palforzia®) é atualmente a única terapia aprovada pela FDA para mitigar reações alérgicas, inclusive anafilaxia, em pacientes entre 1 e 17 anos com diagnóstico confirmado de alergia ao amendoim.
O tratamento consiste na administração de doses progressivamente crescentes de extrato de amendoim, com o objetivo de induzir dessensibilização imunológica e aumentar o limiar de tolerância. Embora promissora, a terapia requer monitorização rigorosa, pois está associada a risco elevado de reações adversas durante o tratamento.
Outra abordagem farmacológica recente é o uso de omalizumabe (Xolair®), um anticorpo monoclonal anti-IgE. Essa medicação foi aprovada para reduzir reações alérgicas de tipo I, incluindo anafilaxia, após exposição acidental a alimentos, em pacientes a partir de 1 ano de idade com alergia mediada por IgE. O fármaco atua reduzindo a disponibilidade de IgE livre, atenuando a resposta inflamatória alérgica.
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Referências Bibliográficas
- DYNAMED. Peanut Allergy. Ipswich, MA: EBSCO Information Services, 2025. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/peanut-allergy.



