Olá, querido doutor e doutora! A deficiência do transportador de riboflavina (RTD) é uma doença genética rara e tratável, caracterizada por falha na captação de vitamina B2 e consequente disfunção neuromuscular progressiva. Identificada apenas recentemente como entidade genética distinta, a condição pode manifestar-se desde a infância até a idade adulta, com quadro clínico que inclui perda auditiva, neuropatia periférica, atrofia óptica e risco de insuficiência respiratória.
O reconhecimento precoce e o início imediato da suplementação de riboflavina são determinantes para modificar o curso da doença e aumentar a sobrevida.
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Conceito
A deficiência do transportador de riboflavina (RTD) é uma doença genética rara caracterizada por alterações nos genes SLC52A2 e SLC52A3, que codificam transportadores responsáveis pela captação e distribuição da vitamina B2 (riboflavina) no organismo. Essa condição compromete a formação dos cofatores FMN (flavina mononucleotídeo) e FAD (flavina adenina dinucleotídeo), fundamentais para o metabolismo energético mitocondrial.
O distúrbio é herdado de forma autossômica recessiva e integra um espectro clínico que já foi descrito anteriormente como síndrome de Brown-Vialetto-Van Laere e síndrome de Fazio-Londe. Clinicamente, manifesta-se por degeneração progressiva de nervos periféricos e cranianos, levando a perda auditiva, atrofia óptica, fraqueza muscular, ataxia e risco de insuficiência respiratória.
Fisiopatologia
A deficiência do transportador de riboflavina (RTD) resulta de mutações bialélicas em genes que codificam proteínas responsáveis pelo transporte da vitamina B2 através das membranas celulares. Os principais genes envolvidos são:
- SLC52A2 (RTD2): associado a início precoce da doença, com predomínio de fraqueza em membros superiores e pescoço.
- SLC52A3 (RTD3): frequentemente relacionado a apresentações mais tardias e manifestações clínicas mais generalizadas.
- SLC52A1 (RTD1): descrito em raríssimos casos, geralmente com início na infância e manifestações ainda pouco definidas.
A riboflavina, obtida pela dieta, é precursora dos cofatores FMN (flavina mononucleotídeo) e FAD (flavina adenina dinucleotídeo), indispensáveis para diversas reações enzimáticas no metabolismo de carboidratos, aminoácidos e lipídios. Quando o transporte celular está comprometido, ocorre redução da disponibilidade desses cofatores, levando a disfunção mitocondrial e degeneração progressiva de neurônios motores e sensoriais.
Esse processo se manifesta clinicamente como uma neuropatia axonal não dependente do comprimento, o que explica o acometimento precoce de músculos respiratórios, bulbares e da visão, em contraste com outras neuropatias periféricas que costumam afetar inicialmente os membros inferiores.
Epidemiologia
A deficiência do transportador de riboflavina (RTD) é uma condição rara, com estimativa de ocorrência em cerca de 1 caso por milhão de indivíduos. A maioria dos pacientes apresenta variantes patogênicas nos genes SLC52A2 (RTD2) e SLC52A3 (RTD3), enquanto alterações no SLC52A1 (RTD1) são extremamente incomuns e descritas apenas em situações isoladas.
O início do quadro clínico costuma ocorrer ainda na infância ou adolescência, muitas vezes antes dos 10 anos. Nos casos de início precoce, especialmente em lactentes, a evolução tende a ser rápida e grave, podendo levar a insuficiência respiratória precoce se não houver tratamento. Por outro lado, formas de início tardio, incluindo apresentações em adultos, são descritas, geralmente com progressão mais lenta.
Não há diferença significativa de prevalência entre os sexos. O número reduzido de casos descritos na literatura sugere que a doença seja subdiagnosticada, especialmente quando os sintomas se confundem com neuropatias de outras etiologias.
Avaliação clínica
Comprometimento auditivo
A perda auditiva sensorioneural é frequentemente uma das primeiras manifestações da deficiência do transportador de riboflavina. Geralmente progride rapidamente e pode culminar em surdez bilateral. Em muitos pacientes, a audição se enquadra dentro do espectro da neuropatia auditiva, com preservação das emissões otoacústicas, mas ausência ou alteração de respostas no tronco encefálico.
Alterações visuais
A atrofia óptica é outra manifestação marcante. Ocorre redução da acuidade visual, podendo estar associada a nistagmo, defeitos de campo visual e alterações na visão de cores. Em alguns casos, a perda visual progride lentamente, mas em outros pode ser mais acelerada.
Neuropatia motora
A fraqueza muscular atinge inicialmente os membros superiores e a musculatura cervical, levando a dificuldade em sustentar a cabeça e realizar tarefas manuais. Nos estágios mais avançados, há envolvimento de membros inferiores, com atrofia muscular e perda da força proximal e distal. Reflexos tendíneos profundos estão ausentes em praticamente todos os pacientes.
Ataxia sensitiva
Muitos pacientes desenvolvem desequilíbrio e alterações da marcha devido ao comprometimento sensitivo. A perda da propriocepção e da sensibilidade vibratória são achados típicos, contribuindo para quedas frequentes e dificuldade de coordenação.
Disfunção bulbar
A degeneração dos nervos cranianos pode resultar em disfagia, disartria e fraqueza da língua. Fasciculações e atrofia lingual também são comuns, com risco de aspiração recorrente. Esses sinais comprometem tanto a comunicação quanto a alimentação.
Comprometimento respiratório
A paralisia do diafragma é uma das manifestações mais graves. Pode se apresentar com episódios de apneia, crises de cianose e insuficiência respiratória progressiva. Muitos pacientes necessitam de suporte ventilatório não invasivo ou invasivo ainda na infância.
Outras manifestações
Embora menos frequentes, podem ocorrer crises convulsivas, dificuldades alimentares desde o início da vida, e alterações no humor, como depressão em alguns indivíduos. Apesar da gravidade do quadro motor e sensitivo, a função cognitiva permanece geralmente preservada.
Diagnóstico
Avaliação clínica
O diagnóstico da deficiência do transportador de riboflavina deve ser suspeito em crianças ou adultos jovens com associação de perda auditiva progressiva, neuropatia motora axonal, ataxia sensitiva e sinais de disfunção bulbar. A história familiar de consanguinidade pode reforçar a suspeita, considerando o padrão de herança autossômico recessivo.
Exames neurofisiológicos
A eletroneuromiografia geralmente mostra um padrão de neuropatia axonal, predominantemente motora, com sinais de desnervação crônica. Estudos de condução nervosa podem revelar ausência ou redução dos potenciais sensitivos, confirmando o caráter axonal da neuropatia.
Exames laboratoriais
Em cerca de metade dos pacientes, observa-se alteração no perfil de acilcarnitinas, com acúmulo de cadeias curtas e médias, sugerindo comprometimento do metabolismo energético. No entanto, esses achados não são universais. A análise de ácidos orgânicos urinários pode demonstrar alterações compatíveis, mas também com sensibilidade limitada.
Neuroimagem
A ressonância magnética de encéfalo é geralmente normal, mas em alguns casos pode evidenciar atrofia cerebelar, hipersinal em tronco encefálico ou alterações difusas da substância branca. Esses achados não são específicos, mas ajudam na investigação diferencial.
Confirmação genética
A confirmação diagnóstica é realizada pela identificação de variantes patogênicas bialélicas nos genes SLC52A2 ou SLC52A3, por meio de painéis direcionados para neuropatias, exoma ou genoma completo. Essa análise é fundamental para estabelecer o diagnóstico definitivo e orientar o aconselhamento genético familiar.
Tratamento
Suplementação de riboflavina
O pilar do tratamento é a administração de riboflavina oral em altas doses, variando geralmente entre 10 e 50 mg/kg/dia, fracionada em múltiplas tomadas. Em alguns casos, doses ainda mais elevadas podem ser utilizadas conforme a resposta clínica. A introdução precoce da suplementação é determinante para melhores desfechos, já que pode estabilizar o quadro e até reverter parte dos déficits motores e sensoriais. Quando iniciada tardiamente, a resposta tende a ser limitada, refletindo o dano neuronal já estabelecido.
Terapias adjuvantes
Há relatos do uso associado de coenzima Q10, L-carnitina e antioxidantes, embora a evidência seja restrita e ainda não exista consenso sobre seu benefício. Essas estratégias são geralmente empregadas como suporte metabólico complementar.
Cuidados multidisciplinares
O manejo deve ser conduzido em centros especializados, com apoio de diversas áreas:
- Fisioterapia e terapia ocupacional para preservar mobilidade, prevenir contraturas e favorecer autonomia funcional.
- Fonoaudiologia para manejo da disfagia, treino de comunicação e prevenção de aspiração.
- Aparelhos auditivos ou implante coclear em casos de perda auditiva significativa.
- Suporte respiratório com ventilação não invasiva noturna ou traqueostomia nos casos mais graves.
- Acompanhamento nutricional para manutenção adequada do estado nutricional e indicação de gastrostomia quando necessário.
Acompanhamento clínico
Após o início da riboflavina, recomenda-se seguimento regular para monitorar parâmetros neurológicos, auditivos, visuais, respiratórios e metabólicos. O ajuste da dose deve ser individualizado conforme evolução clínica e tolerância.
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Referências Bibliográficas
- O’BRIEN, M. A. et al. Child Neurology: Five-Year Update on Siblings With Riboflavin Transporter Deficiency. Neurology, v. 103, n. 11, p. e209969, 2024.
- JAEGER, B. et al. Riboflavin transporter deficiency, the search for the undiagnosed: a retrospective data mining study. Orphanet Journal of Rare Diseases, v. 19, n. 410, p. 1-5, 2024.
- CALI, E. et al. Riboflavin Transporter Deficiency. In: GeneReviews®. Seattle: University of Washington, 2015. Atualizado em 2021.