Olá, querido doutor e doutora! A Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) representa uma das principais complicações do transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas, impactando significativamente a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes. Confira abaixo uma síntese clínica e prática sobre fisiopatologia, diagnóstico, classificação, tratamento e prognóstico da DECH.
A resposta imune da DECH envolve múltiplas fases coordenadas que culminam em lesão tecidual mediada por linfócitos T do enxerto.
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Conceito
A Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) é uma complicação imunomediada que pode surgir após o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas. Ela ocorre quando as células imunes do enxerto, particularmente linfócitos T do doador, reconhecem os tecidos do receptor como estranhos e desencadeiam uma resposta inflamatória contra eles.
A DECH representa uma das principais causas de morbidade e mortalidade após o transplante, exigindo diagnóstico precoce, estratificação da gravidade e manejo individualizado com base na extensão e severidade do acometimento orgânico.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da DECH envolve uma sequência coordenada de eventos imunológicos iniciada com o preparo pré-transplante, como quimioterapia e/ou radioterapia, que induz lesão tecidual e libera citocinas inflamatórias. Esse ambiente favorece a ativação de células apresentadoras de antígeno (APCs), que expõem moléculas do sistema HLA do receptor às células T do doador.
O processo pode ser dividido em três fases principais:
- Fase de sensibilização (ou afluente): as APCs do receptor, ativadas pelo dano tecidual, apresentam antígenos aos linfócitos T do doador. Isso desencadeia uma resposta inflamatória inicial, com liberação de citocinas como IL-1, TNF-α e IL-6.
- Fase de ativação e expansão: os linfócitos T do enxerto proliferam e se diferenciam em subtipos efetores (Th1, Th17 e citotóxicos), amplificando a resposta inflamatória e iniciando o ataque aos tecidos do hospedeiro. A produção de IFN-γ, IL-2 e IL-17 intensifica o recrutamento de outras células inflamatórias, incluindo macrófagos e células NK.
- Fase efetora: os tecidos do receptor passam a ser diretamente lesionados pelos linfócitos T ativados e células efetoras. Essa fase é marcada por dano tecidual extensivo, caracterizado por apoptose de células epiteliais (notadamente no intestino), lesão de ductos biliares no fígado e fibrose em diversos órgãos, especialmente na forma crônica da doença.
Epidemiologia e fatores de risco
A DECH continua sendo uma complicação frequente e relevante do transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas. A forma aguda acomete até 50% dos pacientes, mesmo em casos com doadores HLA-idênticos. Já a forma crônica pode atingir entre 30% e 70% dos transplantados, com maior prevalência nos primeiros dois anos após o procedimento. A DECH crônica é responsável por uma proporção significativa da morbimortalidade tardia pós-transplante, afetando de forma substancial a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes.
Fatores de Risco
- Disparidade HLA entre doador e receptor;
- Transplante com células de sangue periférico (versus medula óssea);
- Transplantes com doadores não aparentados;
- Doadores do sexo feminino para receptores do sexo masculino;
- Idade avançada do receptor;
- Presença prévia de DECH aguda;
- Intensidade do regime de condicionamento (quimio e/ou radioterapia);
- Soropositividade para CMV ou EBV;
- Plaquetopenia no momento do diagnóstico;
- Redução precoce da imunossupressão; e
- Uso de medula criopreservada.
Sintomas
A DECH pode afetar múltiplos órgãos, com manifestações variando conforme a forma aguda ou crônica. Na fase aguda, predomina o envolvimento cutâneo, gastrointestinal e hepático. Já na forma crônica, os sintomas podem lembrar doenças autoimunes, com alterações mucocutâneas, oculares, pulmonares e articulares, além de impacto funcional progressivo.
Órgão / Sistema | DECH Aguda | DECH Crônica |
---|---|---|
Pele | Rash maculopapular, eritema difuso, lesões bolhosas | Esclerodermia, líquen plano-like, poiquilodermia |
Trato gastrointestinal | Diarreia aquosa, náuseas, dor abdominal, anorexia. | Estenose esofágica, disfagia, perda de peso crônica |
Fígado | Icterícia, elevação de bilirrubina e transaminases | Colestase intra-hepática, hiperbilirrubinemia |
Olhos | — | Ceratoconjuntivite sicca, sensação de areia, fotofobia |
Boca | — | Xerostomia, úlceras, lesões liquenoides |
Pulmões | — | Tosse seca, dispneia, bronquiolite obliterante |
Genitália | — | Aglutinação labial, fimose, estenose uretral |
Músculo/articulações | — | Fasceíte, contraturas, miosite |
Diagnóstico
O diagnóstico da DECH é eminentemente clínico e deve considerar o contexto pós-transplante, o tipo de manifestação apresentada e a exclusão de outras causas, como infecções ou toxicidade medicamentosa. A classificação entre aguda e crônica é feita com base nas características dos sintomas e não apenas pelo tempo decorrido após o transplante.
Para a DECH crônica, o diagnóstico requer pelo menos uma manifestação considerada diagnóstica (como esclerose cutânea ou líquen plano oral), ou uma manifestação distinta que, por si só, não confirma a doença, mas pode ser validada com biópsia, exames laboratoriais ou avaliação especializada (ex.: oftalmológica ou ginecológica). Em casos duvidosos, o suporte histopatológico pode ser fundamental.
A avaliação deve incluir exames complementares conforme o órgão envolvido, como testes de função pulmonar, provas de função hepática, exames oftalmológicos e endoscopia digestiva. Escalas de pontuação específicas são utilizadas para classificar a gravidade por órgão e calcular uma pontuação global, o que auxilia no planejamento terapêutico e no seguimento clínico.
Tratamento
O tratamento da DECH é direcionado conforme a gravidade e os órgãos comprometidos. Casos leves e restritos a um único sítio podem ser acompanhados com medidas locais, como colírios lubrificantes, corticoides tópicos ou redução progressiva da imunossupressão profilática. Nas formas moderadas a graves, com múltiplos órgãos afetados ou sintomas intensos, o tratamento sistêmico é necessário. Corticoides, como a prednisona, continuam sendo a base da terapia, associados frequentemente a inibidores da calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo).
Outros agentes imunossupressores, como micofenolato, sirolimo e fotoférese extracorpórea, podem ser empregados em casos refratários. A meta terapêutica é controlar a atividade inflamatória com a menor dose imunossupressora possível, evitando toxicidades e infecções oportunistas.
Evolução
O prognóstico da DECH está diretamente relacionado à gravidade no momento do diagnóstico, à resposta inicial ao tratamento e ao número de órgãos comprometidos. Formas limitadas e leves tendem a apresentar evolução favorável, especialmente quando controladas com tratamento local.
Já os casos com envolvimento pulmonar, plaquetopenia persistente ou progressão a partir de uma DECH aguda têm evolução mais desfavorável. A presença de disfunções orgânicas irreversíveis, como fibrose pulmonar ou esclerose cutânea extensa, contribui para impacto funcional e redução da qualidade de vida. A resposta precoce à terapia com corticoide é um marcador importante de sobrevida.
Complicações
- Infecções oportunistas;
- Bronquiolite obliterante;
- Fibrose cutânea;
- Xerostomia;
- Ceratoconjuntivite sicca;
- Desnutrição;
- Caquexia;
- Osteoporose; e
- Insuficiência gonadal.
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Referências Bibliográficas
- VIGORITO, Afonso Celso et al. Diretrizes para o diagnóstico e classificação da doença do enxerto contra hospedeiro crônica. Campinas: Hemocentro/Unicamp, 2017.
- VAILLANT, Angel A. Justiz; MODI, Pranav; MOHAMMADI, Oranus. Graft-Versus-Host Disease. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.