Olá, querido doutor e doutora! A dor de crescimento é uma condição frequente na infância, frequentemente mal compreendida por familiares e até subestimada em atendimentos clínicos. Embora seja autolimitada e benigna, seu diagnóstico depende da exclusão criteriosa de outras causas. Este texto apresenta, de forma objetiva, os principais aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos dessa síndrome.
Apesar do nome, a dor de crescimento não está relacionada ao crescimento físico da criança.
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Conceito
A dor de crescimento é um quadro de dor musculoesquelética recorrente que acomete principalmente crianças na fase pré-escolar e escolar, sem estar diretamente ligada ao crescimento físico. Trata-se de um diagnóstico clínico, baseado em um padrão característico de dor de início vespertino ou noturno, de curta duração, sem sinais inflamatórios locais e com exame físico normal.
Essas dores surgem mais frequentemente nas pernas — em regiões como coxas, panturrilhas ou atrás dos joelhos — e tendem a desaparecer espontaneamente com o tempo. O termo persiste por tradição, embora se saiba que o crescimento em si não provoca dor. Na prática clínica, essa condição é considerada benigna, transitória e sem impacto estrutural, mas requer atenção cuidadosa para afastar outras causas mais graves de dor persistente nos membros.
Fisiopatologia
A origem da dor de crescimento ainda é motivo de debate na literatura médica, uma vez que não há um mecanismo fisiopatológico único claramente estabelecido. Diferentes hipóteses tentam explicar o fenômeno, com destaque para fatores biomecânicos, neurofisiológicos e até psicossociais.
Uma das teorias propõe que a dor esteja relacionada à sobrecarga funcional da musculatura das extremidades inferiores, especialmente após dias com atividades físicas mais intensas. Essa ideia se baseia na observação de que os episódios costumam ocorrer após esforços ou agitação motora, mesmo em crianças sem qualquer alteração ortopédica visível.
Outra hipótese sugere que crianças com dor de crescimento apresentariam limiar de dor mais baixo, o que as tornaria mais sensíveis a estímulos dolorosos comuns. Esse perfil sensorial estaria associado a uma resposta amplificada da via nociceptiva, o que explicaria a manifestação episódica da dor mesmo na ausência de inflamação.
Estudos também indicam uma possível relação com alterações posturais leves (como hipermobilidade articular ou pronação do pé), que poderiam favorecer microtraumas ou tensões musculares. Em menor escala, aspectos emocionais e comportamentais — como ansiedade, estresse ou distúrbios do sono — também têm sido considerados potenciais moduladores da percepção da dor.
Apesar dessas hipóteses, nenhuma alteração histológica, bioquímica ou estrutural foi consistentemente identificada nas crianças com esse diagnóstico. Dessa forma, a fisiopatologia da dor de crescimento permanece multifatorial e ainda sem definição única, reforçando a importância da abordagem clínica individualizada.
Epidemiologia e fatores de risco
A dor de crescimento acomete entre 10% e 30% das crianças, especialmente na faixa etária de 3 a 12 anos, com pico de incidência na fase pré-escolar. A prevalência varia conforme os critérios utilizados nos estudos e, embora alguns autores apontem maior frequência entre meninas, não há consenso quanto à distribuição por sexo. Os principais fatores associados ao aumento do risco incluem:
- Histórico familiar positivo (pais ou irmãos com quadro semelhante);
- Hipermobilidade articular;
- Pronação dos pés ou alterações posturais leves;
- Excesso de peso leve em relação à média da faixa etária;
- Baixo limiar para estímulos dolorosos;
- Presença de outras queixas somáticas, como cefaleia ou dor abdominal;
- Estresse, distúrbios do sono ou sobrecarga emocional.
Avaliação clínica
A dor de crescimento se caracteriza por episódios recorrentes de dor musculoesquelética, que geralmente afetam os membros inferiores, como coxas, panturrilhas, canelas e região posterior dos joelhos. Os episódios costumam ocorrer à noite ou durante a madrugada, podendo interromper o sono da criança. Pela manhã, a dor desaparece espontaneamente, e a criança retorna às suas atividades habituais, sem qualquer limitação funcional ou sinal de inflamação local. A dor é, na maioria das vezes, bilateral, mas pode alternar de lado em diferentes episódios.
Os episódios não seguem um padrão fixo: podem ocorrer algumas vezes por semana ou apresentar intervalos mais longos, com períodos de remissão que duram dias ou até meses. Não há sinais associados como febre, rigidez matinal, claudicação ou edema, e o exame físico é normal entre as crises. Muitas famílias relatam melhora com massagens, aplicação de calor ou uso de analgésicos simples. Em alguns casos, é possível observar também queixas somáticas concomitantes, como cefaleia ou dor abdominal, e até um histórico familiar positivo, o que sugere um componente de predisposição individual.
Diagnóstico
O diagnóstico da dor de crescimento é clínico e baseado na exclusão de outras causas de dor musculoesquelética. Não existem exames laboratoriais ou de imagem específicos para confirmá-la, sendo a história detalhada e o exame físico minucioso os principais pilares da avaliação. O quadro típico envolve criança em idade pré-escolar ou escolar, com episódios de dor em membros inferiores, principalmente no final do dia ou à noite, sem sinais de inflamação, e com recuperação completa ao despertar.
Para fortalecer a hipótese diagnóstica, é necessário observar que:
- A dor costuma ser bilateral e extra-articular;
- O exame físico é normal, sem edema, calor, rubor ou limitação de movimentos;
- Os sintomas não interferem nas atividades diurnas;
- Exames complementares (quando realizados) são normais, incluindo hemograma e marcadores inflamatórios.
A investigação complementar só deve ser iniciada se houver sinais de alerta, como dor persistente unilateral, presença de febre, claudicação, perda de peso, linfadenopatia ou alteração na marcha. Nesses casos, outras hipóteses diagnósticas devem ser consideradas, como artrite idiopática juvenil, osteomielite, neoplasias ou síndromes dolorosas amplificadas. O reconhecimento do padrão clínico típico é o que permite ao médico evitar exames desnecessários e orientar corretamente os responsáveis.
Tratamento
O manejo da dor de crescimento tem como objetivo aliviar o desconforto da criança e tranquilizar a família quanto à natureza benigna do quadro. Como os episódios são autolimitados, o tratamento se concentra em medidas sintomáticas durante as crises. A primeira abordagem consiste em orientar os cuidadores sobre o caráter transitório da dor, o bom prognóstico e a ausência de necessidade de exames complementares ou intervenções invasivas, desde que não haja sinais de alarme.
Durante os episódios dolorosos, podem ser utilizados recursos como:
- Massagens suaves na região dolorosa;
- Aplicação de calor local, como bolsas térmicas mornas;
- Analgesia com paracetamol (10 a 15 mg/kg/dose) ou ibuprofeno (10 mg/kg/dose), respeitando a dose máxima diária e evitando o uso contínuo.
Em crianças com padrão recorrente previsível — como dor após dias de muita atividade física — pode-se considerar o uso preventivo do analgésico antes de dormir. Fora das crises, é recomendada a prática regular de exercícios de alongamento muscular (quadríceps, isquiotibiais e panturrilhas), especialmente nos casos em que há hipermobilidade articular. O apoio emocional e a presença dos pais durante os episódios também são importantes para reduzir a ansiedade associada à dor. O uso de tratamentos farmacológicos de longo prazo não é indicado, e o foco deve permanecer em estratégias não invasivas e de acolhimento.
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Referências Bibliográficas
- FORNI, J. E. N.; JALIKHIAN, W. Dor do crescimento. Rev. Dor, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 261–264, 2011.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Dor recorrente em membros ou dor de crescimento. Departamento Científico de Reumatologia. São Paulo: SBP, 2024.
- TELESAÚDERS-UFRGS. O que é a dor de crescimento e como realizar o diagnóstico e manejo na APS? Porto Alegre: UFRGS, 2024.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Isso é dor de crescimento ou algo mais sério? Departamento Científico de Reumatologia. São Paulo: SBP, 2019.