Olá, querido doutor e doutora! A fratura de Chance é uma lesão instável da coluna toracolombar, resultante de forças de flexão-distrativas, geralmente associada a acidentes automobilísticos com uso de cinto subabdominal.
Até metade dos pacientes com fratura de Chance podem apresentar lesões intra-abdominais associadas, como perfuração intestinal ou laceração mesentérica.
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Conceito
A fratura de Chance é caracterizada por uma linha de fratura horizontalmente orientada, que atravessa os elementos posteriores da vértebra — incluindo processo espinhoso, lâminas, pedículos — e pode se estender até o corpo vertebral. Trata-se de uma lesão instável, provocada por forças de flexão-distrativa aplicadas sobre a coluna, sendo mais frequentemente observada na junção toracolombar, especialmente entre T12 e L2.
Esse tipo de fratura foi descrito pela primeira vez por G.Q. Chance em 1948 e, posteriormente, associada ao mecanismo de trauma envolvendo cintos de segurança abdominais. Por isso, também é referida como “fratura do cinto de segurança”, uma vez que ocorre comumente em colisões automobilísticas, quando a pelve do paciente é fixada pelo cinto enquanto o tronco se projeta anteriormente.
Mecanismo de trauma
A fratura de Chance ocorre por um mecanismo de flexão com força distrativa que atua sobre a coluna vertebral, geralmente durante uma desaceleração súbita. Esse padrão é classicamente observado em acidentes automobilísticos, principalmente quando o paciente utilizava cinto de segurança abdominal (dois pontos), que fixa a pelve e deixa o tronco livre para se projetar anteriormente.
Nesse contexto, o cinto funciona como um fulcro, sobre o qual a coluna se dobra. A energia do impacto gera tracionamento progressivo das estruturas posteriores em direção anterior, rompendo inicialmente os elementos ligamentares posteriores e, na sequência, estruturas ósseas como lâminas, pedículos e, eventualmente, o corpo vertebral.
Com maior intensidade do trauma ou alteração na distribuição de forças, pode haver associação com compressão do corpo vertebral anteriormente, configurando o que se conhece como fratura de Chance com componente em explosão (burst). Esse subtipo traz maior risco de retropulsão óssea e compressão medular.
Epidemiologia
As fraturas de Chance representam uma pequena parcela das lesões da coluna toracolombar, mas seu reconhecimento é relevante devido ao potencial de instabilidade e associação com lesões viscerais. Estima-se que, nos Estados Unidos, ocorram aproximadamente 160 mil fraturas toracolombares por ano, sendo a junção T12-L2 a segunda região mais acometida da coluna, atrás apenas da coluna cervical.
A distribuição etária mostra maior prevalência em jovens adultos, especialmente entre 9 e 40 anos, com média de idade próxima aos 26 anos. Há uma predominância no sexo masculino, com proporção de até 3 para 1 em relação às mulheres.
Nos casos traumáticos com uso de cinto de segurança, a fratura de Chance é mais frequente em vítimas de acidentes automobilísticos com desaceleração frontal. Entre crianças e adolescentes, seu diagnóstico deve levantar forte suspeita de trauma abdominal associado, especialmente na presença do sinal do cinto.
Classificações (óssea, ligamentar, osteoligamentar)
As fraturas de Chance podem ser agrupadas de acordo com os tecidos predominantemente acometidos e o padrão estrutural da lesão. Essa distinção auxilia na definição do tratamento e na estimativa de instabilidade mecânica.
Classificação morfológica
- Fratura óssea pura
O traço de fratura se estende de forma contínua pelos elementos posteriores (processo espinhoso, lâminas e pedículos) até o corpo vertebral, sem envolvimento significativo de ligamentos. Costuma ter melhor resposta ao tratamento conservador, principalmente quando não há deformidade angular importante.
- Fratura ligamentar (ou lesão ligamentar pura)
Envolve ruptura do complexo ligamentar posterior, da cápsula facetária, ligamento longitudinal posterior e, por vezes, do anel fibroso. Pode não haver fratura óssea visível, mas a instabilidade costuma ser maior, especialmente em crianças.
- Fratura osteoligamentar (mista)
Componente combinado, em que há fratura de estruturas ósseas associada à lesão ligamentar. Esse padrão apresenta maior risco de instabilidade, perda progressiva da curvatura fisiológica e maior chance de falha no tratamento conservador.
2. Envolvimento das colunas vertebrais (modelo de Denis)
De acordo com o conceito das três colunas:
- A coluna anterior compreende o ligamento longitudinal anterior, parte anterior do corpo vertebral e disco.
- A coluna média abrange o ligamento longitudinal posterior, parte posterior do corpo vertebral e disco.
- A coluna posterior inclui os elementos posteriores e o complexo ligamentar posterior.
A fratura de Chance clássica envolve as colunas média e posterior, sendo, portanto, considerada instável. Quando há também compressão do corpo vertebral (coluna anterior), o comprometimento se torna completo, exigindo vigilância mais rigorosa.
Avaliação clínica
O paciente com fratura de Chance geralmente se apresenta com dor lombar intensa e localizada, que se instala logo após o trauma. A dor costuma ser exacerbada por movimentos e palpação da região afetada, com sensibilidade acentuada na linha média posterior.
Na maioria dos casos, não há déficit neurológico evidente no momento da admissão, o que pode levar à subvalorização da gravidade da lesão. No entanto, em situações com retropulsão óssea ou componente em explosão, pode ocorrer compressão da medula espinhal ou da cauda equina, manifestando-se por:
- Parestesias em membros inferiores;
- Fraqueza motora;
- Alterações esfincterianas, como retenção urinária ou incontinência
Um achado clínico de grande relevância é o “sinal do cinto” — equimose ou abrasão transversal no abdome, compatível com o trajeto do cinto de segurança. Esse sinal deve elevar fortemente a suspeita de lesões vertebrais associadas a lesões intra-abdominais.
Além disso, sintomas como dor abdominal, náuseas, distensão ou sinais de peritonite devem alertar para a possibilidade de perfuração de vísceras ocas ou lesões mesentéricas, que podem acompanhar até metade dos casos de fratura de Chance.
Abordagem Diagnóstica
Avaliação clínica Inicial
A suspeita de fratura de Chance deve ser considerada em qualquer paciente vítima de trauma por desaceleração, especialmente em colisões automobilísticas com uso de cinto de segurança abdominal. Os sinais clínicos mais comuns incluem dor lombar intensa e localizada, sensibilidade à palpação da linha média posterior e, em muitos casos, a presença do sinal do cinto — equimose ou abrasão transversal na parede abdominal. A ausência de déficit neurológico não exclui a fratura, sendo comum que esses pacientes apresentem exame neurológico normal na admissão.
Radiografia simples
As radiografias em anteroposterior e perfil da coluna toracolombar podem fornecer pistas importantes. É possível observar o alargamento do espaço interespinhoso, fraturas horizontais dos pedículos ou lâminas, e o chamado sinal do corpo vertebral vazio, resultante da separação posterior dos elementos ósseos. Entretanto, esses achados podem ser discretos ou ausentes em fases iniciais, especialmente nas fraturas predominantemente ligamentares.
Tomografia computadorizada (TC)
A tomografia com reconstruções multiplanares é considerada o exame mais sensível e específico para diagnosticar a fratura de Chance. Ela permite a visualização precisa do traço horizontal da fratura desde o processo espinhoso até o corpo vertebral. Um achado característico é o “sinal do pedículo em dissolução”, que representa a perda progressiva da definição dos pedículos nos cortes axiais. A TC também é útil para identificar componentes em explosão, retropulsão óssea e avaliar a integridade das facetas articulares. Caso o paciente já tenha sido submetido a uma TC de abdome por suspeita de lesão visceral, é fundamental revisar as imagens da coluna incluídas nesse exame.
Ressonância magnética (RM)
A ressonância magnética é indicada quando há sinais neurológicos, suspeita de lesão ligamentar ou dúvida sobre a extensão do comprometimento medular. A RM fornece informações detalhadas sobre o estado dos ligamentos, discos intervertebrais, medula espinhal e tecidos moles. Um achado típico nas fraturas osteoligamentares é o sinal em sanduíche, que aparece como uma linha de fratura hipointensa em T2 rodeada por edema ósseo hiperintenso. Também pode identificar hematomas epidurais, hérnias discais e contusões medulares.
Tratamento
Abordagem conservadora
O tratamento não cirúrgico é indicado principalmente nos casos em que a fratura é estruturalmente óssea, com preservação dos ligamentos e sem sinais de instabilidade progressiva. O paciente deve estar neurologicamente íntegro e apresentar deformidade angular discreta, geralmente inferior a 15 graus de cifose. Nesses casos, é possível optar pela imobilização com órtese toracolombossacra (TLSO) ou gesso tóraco-lombar em posição de extensão.
O tempo médio de imobilização gira entre 8 e 12 semanas, e o acompanhamento radiográfico periódico é essencial para assegurar a manutenção do alinhamento vertebral e a consolidação óssea. Após esse período, inicia-se a reabilitação com fortalecimento muscular e recuperação funcional progressiva. A adesão do paciente ao uso da órtese e às orientações de repouso é determinante para o sucesso da abordagem conservadora.
Indicações cirúrgicas
A cirurgia está indicada em diversas situações: quando há lesão ligamentar ou osteoligamentar, deformidade angular acentuada, presença de déficit neurológico, ou quando o paciente apresenta características que dificultam o tratamento conservador, como obesidade severa ou baixa tolerância à órtese.
O procedimento mais realizado é a fixação posterior com parafusos pediculares, que garante estabilização adequada da fratura e permite mobilização precoce. Em alguns casos, pode ser necessária fusão intersomática ou descompressão neural, especialmente quando há fragmentos ósseos retropulsionados para o canal medular. A redução da fratura geralmente é feita em posição de hiperextensão, auxiliada por mesa ortopédica especializada (como a mesa de Risser).
Considerações sobre a abordagem multidisciplinar
Em pacientes politraumatizados ou com lesões abdominais associadas, o manejo da fratura de Chance deve ser realizado em conjunto com a equipe de cirurgia geral ou pediátrica. Lesões viscerais — como perfuração intestinal ou laceração mesentérica — exigem tratamento imediato e podem interferir no planejamento ortopédico, especialmente quanto ao momento da estabilização da coluna.
Reabilitação pós-tratamento
Tanto na abordagem cirúrgica quanto na conservadora, a reabilitação supervisionada desempenha papel central na recuperação funcional. Após o período de imobilização ou consolidação cirúrgica, o paciente deve ser orientado quanto à reintrodução gradual das atividades, com foco em fortalecimento da musculatura paravertebral, treino de postura e prevenção de dor crônica. A equipe de fisioterapia deve atuar precocemente, respeitando os limites biomecânicos da coluna em cicatrização.
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Referências Bibliográficas
- KOAY, Jennifer; DAVIS, Donald D.; HOGG, Jeffery P. Chance Fractures. StatPearls . Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.
- BERNSTEIN, Mark P.; MIRVIS, Stuart E.; SHANMUGANATHAN, K. Chance-Type Fractures of the Thoracolumbar Spine: Imaging Analysis in 53 Patients. AJR American Journal of Roentgenology, v. 187, n. 4, p. 859–868, 2006.
- VECINA, Erik; ARNA, Wander G.; SANTORO, Alexandre G. Fratura de Chance em Adolescente: Relato de Caso. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba – PUC-SP, v. 1, n. 1, p. 21–23, 1999.