Olá, querido doutor e doutora! A hérnia de Spiegel é uma entidade rara da parede abdominal, frequentemente de diagnóstico difícil pela localização profunda do defeito e ausência de abaulamento evidente. Apesar de pouco frequente, representa risco elevado de encarceramento, o que justifica a indicação de reparo cirúrgico em todos os casos, mesmo os assintomáticos.
Estima-se que até 27% das hérnias de Spiegel apresentem encarceramento durante a evolução clínica.
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Conceito
A hérnia de Spiegel é um tipo raro de hérnia ventral que ocorre por meio de um defeito na fáscia de Spiegel, localizada lateralmente ao músculo reto abdominal, junto à linha semilunar. O saco herniário pode conter gordura pré-peritoneal, alças intestinais ou outros órgãos intra-abdominais, frequentemente recobertos pela aponeurose do oblíquo externo, o que torna o diagnóstico clínico desafiador.
Anatomia e fisiopatologia
A fáscia de Spiegel corresponde à região aponeurótica formada pela confluência das fibras do músculo transverso do abdome e do oblíquo interno, situada entre o músculo reto abdominal (medialmente) e a linha semilunar (lateralmente). Essa área se estende desde a nona cartilagem costal até a espinha púbica.
A maioria das hérnias de Spiegel ocorre em uma faixa chamada “cinturão de Spiegel”, localizada cerca de 6 cm acima da linha interespinhosa, onde a parede abdominal é mais larga e submetida a maior pressão intra-abdominal. Nesse ponto, a ausência da bainha posterior do reto abaixo da linha arqueada favorece a formação do defeito.
Do ponto de vista fisiopatológico, a hérnia se desenvolve a partir de uma fraqueza localizada da fáscia, que permite a protrusão de gordura pré-peritoneal ou vísceras. Como a aponeurose do oblíquo externo geralmente permanece íntegra, o saco herniário tende a ficar oculto, configurando uma hérnia interparietal. Essa característica anatômica explica a dificuldade diagnóstica e o alto risco de encarceramento, já que o orifício herniário é pequeno e rígido em comparação ao conteúdo que protrui.
Etiologia e fatores de risco
A hérnia de Spiegel pode surgir por múltiplos mecanismos que fragilizam a parede abdominal ou aumentam a pressão intra-abdominal. Entre os principais, destacam-se:
- Aumento crônico da pressão intra-abdominal: tosse persistente em portadores de DPOC, constipação crônica, ascite, esforço físico repetitivo e gestações múltiplas.
- Alterações estruturais da parede abdominal: degeneração natural das fibras aponeuróticas com o envelhecimento, além de doenças do tecido conjuntivo, como síndrome de Ehlers-Danlos.
- Obesidade: favorece tanto a elevação da pressão interna quanto o enfraquecimento progressivo da fáscia.
- Traumas ou cirurgias prévias: podem lesar ou fragilizar a aponeurose de Spiegel, predispondo ao surgimento do defeito.
- Fatores congênitos: raros, mais descritos em crianças, frequentemente associados a anomalias como testículos não descendidos.
Em alguns casos, não se identifica um fator predisponente evidente, sendo descrita como hérnia idiopática.
Epidemiologia
A hérnia de Spiegel é considerada uma entidade rara, correspondendo a aproximadamente 0,1% a 2% das hérnias da parede abdominal. Acomete predominantemente adultos acima dos 60 anos, com maior frequência em mulheres, possivelmente pela sobrecarga abdominal relacionada a gestações prévias.
Em relação à lateralidade, há uma discreta predominância do lado esquerdo, embora possa ocorrer em ambos. Fatores como obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica, ascite e múltiplas gestações estão frequentemente associados. Nos casos pediátricos, que são excepcionais, a hérnia costuma estar vinculada a alterações congênitas, como criptorquidia.
Um dado relevante é a alta taxa de encarceramento, que pode atingir até um quarto dos casos diagnosticados, justificando a indicação cirúrgica mesmo em pacientes assintomáticos.
Avaliação clínica
Sintomas iniciais
Os pacientes frequentemente relatam dor localizada na região lateral inferior do abdome, de intensidade variável, que pode ser contínua ou intermitente. Essa dor tende a se intensificar em situações de aumento da pressão intra-abdominal, como esforço físico, tosse ou evacuação. Em fases precoces, a manifestação pode se restringir a uma dor vaga e recorrente, sem alterações objetivas ao exame físico.
Achados ao exame físico
O sinal clássico é a presença de um abaulamento na linha semilunar, geralmente perceptível em posição ortostática ou durante a manobra de Valsalva. Entretanto, em muitos casos, a hérnia não é visível ou palpável, já que o saco herniário permanece oculto sob a aponeurose do músculo oblíquo externo. Nessas situações, configura-se a chamada hérnia oculta, que dificulta o diagnóstico apenas pela inspeção e palpação.
Complicações clínicas
O orifício herniário da hérnia de Spiegel costuma ser pequeno e rígido, o que favorece a ocorrência de encarceramento e estrangulamento. Quando isso acontece, o paciente pode apresentar dor súbita e intensa, náuseas, vômitos e até sinais de obstrução intestinal. Já foram descritos casos em que estruturas incomuns, como bexiga, estômago ou ovário, ficaram aprisionadas no saco herniário, aumentando a gravidade do quadro.
Diagnóstico
Avaliação clínica
O diagnóstico da hérnia de Spiegel é desafiador, pois em muitos pacientes não há abaulamento evidente. O exame físico deve ser feito com o paciente em posição ortostática e durante a manobra de Valsalva, o que pode aumentar a sensibilidade para identificar a tumoração. Entretanto, até metade dos casos pode passar despercebida somente pela avaliação clínica, principalmente em pacientes obesos.
Exames de imagem
Diante da suspeita, a ultrassonografia de parede abdominal é considerada o método inicial mais acessível, capaz de identificar defeitos na fáscia de Spiegel com sensibilidade elevada. Quando persistirem dúvidas ou para avaliação detalhada, a tomografia computadorizada é o exame de escolha, pois permite visualizar tanto o orifício herniário quanto o conteúdo do saco, além de descartar diagnósticos diferenciais.
Diagnósticos diferenciais
Entre as condições que podem simular a hérnia de Spiegel, destaca-se o lipoma de parede abdominal, hematoma da bainha do reto, hérnia incisional, tumores de partes moles, abscessos e linfonodomegalias. Em casos de dor abdominal sem abaulamento palpável, pode ser confundida com patologias intra-abdominais, como diverticulite aguda.
Tratamento
Indicação cirúrgica
Diferente de outras hérnias ventrais, a hérnia de Spiegel não deve ser acompanhada com conduta expectante. O risco elevado de encarceramento e estrangulamento torna a cirurgia a opção indicada mesmo em pacientes assintomáticos.
Técnicas abertas
Na abordagem convencional, a correção pode ser feita por sutura direta em defeitos pequenos ou com o uso de tela sintética em defeitos maiores, garantindo menor taxa de recidiva. A incisão geralmente é transversa ou paramediana, permitindo identificação, redução do saco herniário e fechamento do defeito. Em situações emergenciais, pode ser necessário realizar ressecção intestinal caso haja necrose por estrangulamento.
Técnicas minimamente invasivas
As técnicas laparoscópicas apresentam vantagens como menor tempo de internação, recuperação mais rápida e menos complicações pós-operatórias. Três principais modalidades são descritas:
- IPOM (IntraPeritoneal Onlay Mesh): posicionamento da tela sobreposta à cavidade peritoneal.
- TAPP (TransAbdominal PrePeritoneal): dissecção do peritônio para colocação da tela em posição pré-peritoneal.
- TEP (Totally ExtraPeritoneal): dissecção sem acesso à cavidade peritoneal, indicada em hérnias reduzíveis de menor porte.
Robótica e novas abordagens
O uso da cirurgia robótica tem sido relatado, com técnica semelhante ao IPOM, oferecendo maior precisão na dissecção, embora ainda sem evidências suficientes que demonstrem superioridade frente à laparoscopia.
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Referências Bibliográficas
- HANZALOVA, I. et al. Spigelian hernia: current approaches to surgical treatment—a review. Hernia, v. 26, p. 1427-1433, 2022. DOI: 10.1007/s10029-021-02511-8.
- HUTTINGER, R.; SUGUMAR, K.; BALTAZAR-FORD, K. S. Spigelian Hernia. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK538290/. Acesso em: 29 set. 2025.