E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é o Abscesso Anorretal, uma infecção aguda que acomete a região perianal ou perirretal, caracterizada pelo acúmulo de pus decorrente da obstrução e inflamação das glândulas anais.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Abscesso Anorretal
O abscesso anorretal é uma infecção comum da região perianal e perirretal, geralmente resultante da obstrução de uma glândula criptoglandular anal. Esse bloqueio favorece a proliferação bacteriana e o acúmulo de pus, que pode se concentrar em diferentes planos anatômicos ao redor do ânus e do reto, como o tecido subcutâneo, o espaço interesfincteriano, o espaço isquiorretal ou o espaço supralevador. A localização do acúmulo purulento define os diferentes tipos de abscessos anorretais.
Esse processo representa a fase aguda de uma infecção que, em muitos casos, encontra-se associada ou pode evoluir para a formação de uma fístula anorretal, caracterizando a fase crônica do mesmo processo.
A continuidade anatômica entre os espaços perianal, isquiorretal e interesfincteriano facilita a disseminação da infecção, o que explica a possibilidade de extensão do abscesso para áreas adjacentes.
Fisiopatologia do Abscesso Anorretal
A fisiopatologia do abscesso anorretal está diretamente relacionada à infecção das glândulas anais criptoglandulares. Essas glândulas, em número de 8 a 10, encontram-se distribuídas de forma circunferencial no canal anal, na altura da linha pectínea. Elas penetram o esfíncter interno e se estendem até o plano interesfincteriano.
O processo inicia-se quando ocorre obstrução de uma dessas glândulas por detritos espessados, o que impede a drenagem normal das secreções e cria um ambiente propício para a proliferação bacteriana. Esse crescimento bacteriano leva ao acúmulo de pus e, consequentemente, à formação do abscesso.
A direção de disseminação do abscesso depende das vias de menor resistência. Em alguns casos, o conteúdo purulento percorre distalmente o sulco interesfincteriano até a pele perianal, dando origem ao abscesso perianal, geralmente identificado como uma massa dolorosa e flutuante junto à borda anal. Em outros, a infecção pode avançar para planos mais profundos, alcançando o espaço interesfincteriano, o espaço isquiorretal ou o espaço supralevador, caracterizando os abscessos perirretais.
Cerca de metade dos casos de abscesso anorretal evolui para a formação de uma fístula crônica, que estabelece uma comunicação entre a glândula anal inicialmente acometida e a pele sobre o local de drenagem do abscesso.
Manifestações clínicas do Abscesso Anorretal
As manifestações clínicas do abscesso anorretal incluem, principalmente, dor intensa na região anal ou retal. Essa dor é constante, não se relaciona necessariamente com os movimentos intestinais e costuma ser o sintoma predominante. Além disso, sinais sistêmicos como febre e mal-estar geral são comuns, refletindo a resposta inflamatória e infecciosa do organismo. Em alguns casos, pode haver drenagem espontânea de secreção purulenta pelo reto.
Ao exame físico, nos abscessos superficiais, como o perianal, pode-se observar uma área de flutuação ou pele eritematosa e endurecida na região perianal. Já nos abscessos mais profundos, como o supralevador, frequentemente não há alterações visíveis externamente. Nessas situações, o diagnóstico depende da palpação de uma massa flutuante ao exame digital retal ou da utilização de exames de imagem para identificar a coleção.
Diagnóstico de Abscesso Anorretal
O diagnóstico do abscesso anorretal deve ser considerado em pacientes que apresentam dor intensa na região anal ou retal. Nos casos de abscessos superficiais, o exame físico geralmente é suficiente para a confirmação, com achados de eritema perianal e presença de uma massa palpável, frequentemente flutuante.
Nos abscessos mais profundos, o exame externo pode não revelar alterações visíveis. Nesses casos, o toque retal digital permite identificar uma massa dolorosa e flutuante no interior do canal anal ou reto. Quando a palpação não é possível ou não fornece dados conclusivos, exames de imagem tornam-se fundamentais para a confirmação diagnóstica.
Entre os métodos utilizados, destacam-se a tomografia computadorizada da pelve, a ressonância magnética pélvica e a ultrassonografia endorretal, que permitem localizar com precisão a coleção purulenta e avaliar sua extensão, sendo especialmente indicados nos casos de abscessos profundos.
Tratamento do Abscesso Anorretal
O tratamento do abscesso anorretal baseia-se, fundamentalmente, na drenagem cirúrgica imediata, uma vez que a ausência de drenagem permite a expansão da infecção para espaços adjacentes e pode evoluir para sepse. A presença ou não de flutuação não deve atrasar a intervenção.
Princípios gerais da drenagem
As incisões cutâneas devem ser feitas o mais próximo possível da borda anal, de modo a reduzir a chance de formação de fístula extensa, sem comprometer a adequada evacuação do conteúdo purulento. A prática rotineira de tamponamento da ferida não apresenta benefícios comprovados e tende a aumentar a dor pós-operatória, sendo geralmente desnecessária.
Papel da fistulotomia concomitante
Entre 30 e 70% dos pacientes apresentam fístula anal associada. A realização de fistulotomia no mesmo ato cirúrgico é controversa. Pode ser considerada em casos de fístulas simples ou em situações de alto risco de recorrência, como no abscesso em ferradura. Entretanto, deve-se ponderar o risco de incontinência anal, sendo muitas vezes preferível adiar o procedimento para um segundo momento, após a redução do edema e da inflamação.
Uso de antibióticos
Antibióticos devem ser administrados precocemente em pacientes sépticos, com escolha empírica de amplo espectro baseada na gravidade e no perfil clínico. Na maioria dos casos, a duração do tratamento varia de quatro a cinco dias após o controle da fonte infecciosa. Para pacientes sem sepse, a antibioticoterapia pode ser avaliada caso a caso.
Embora as diretrizes da American Society of Colorectal Surgery recomendem antibióticos apenas em situações específicas (celulite extensa, infecção sistêmica, diabetes, imunossupressão, doença valvar), há evidências de que seu uso rotineiro após a drenagem pode reduzir a incidência de fístula. Esquemas com amoxicilina-clavulanato ou ciprofloxacino associado ao metronidazol são opções comuns.
Abordagens cirúrgicas específicas por localização
- Abscesso perianal: drenagem por incisão cutânea próxima ao ânulo, geralmente em ambiente ambulatorial, com anestesia local. O ferimento deve ser mantido limpo com banhos de assento.
- Abscesso isquiorretal: drenagem por incisão cutânea no glúteo, sob anestesia local ou geral. A incisão deve ser feita próxima ao complexo esfincteriano para reduzir risco de fístula longa.
- Abscesso interesfincteriano: drenagem realizada no reto, por meio de esfincterotomia interna e deroofing do abscesso. O procedimento mantém a cavidade aberta para cicatrização, sem necessidade de tamponamento.
- Abscesso supralevador: a via de drenagem depende da origem. Se for extensão ascendente de um abscesso isquiorretal, deve ser drenado externamente; se derivar de abscesso interesfincteriano ou processo inflamatório pélvico, a drenagem deve ser feita via retal para evitar criação de fístula extrasfincteriana.
- Abscesso em ferradura: caracteriza-se por acometimento do espaço pós-anal profundo com extensão bilateral para os espaços isquiorretais. O tratamento requer drenagem adequada desse espaço, preferencialmente com incisões radiais próximas à linha média posterior (procedimento de Hanley modificado). Em muitos casos, a colocação de seton é preferível à fistulotomia imediata devido ao risco aumentado de incontinência.
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Referências
Ronald Bleday, MD. Perianal and perirectal abscess. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Sigmon DF, Emmanuel B, Tuma F. Perianal Abscess. [Updated 2023 Jun 12]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459167/