E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Artrite Psoriática, uma doença inflamatória crônica que afeta articulações e tecidos periarticulares, frequentemente associada à psoríase cutânea.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Artrite Psoriática
A artrite psoriática é uma condição inflamatória crônica intimamente relacionada à psoríase, atingindo aproximadamente 20% dos indivíduos que apresentam essa doença cutânea. Trata-se de uma enfermidade de natureza complexa, que compartilha características com outras espondiloartrites e com a artrite reumatoide, embora mantenha particularidades próprias. Costuma ser classificada como soronegativa, ainda que uma parcela dos pacientes possa apresentar alguns marcadores imunológicos positivos.
Além de seu caráter inflamatório persistente, a artrite psoriática impõe um impacto significativo sobre os indivíduos afetados, refletindo-se não apenas em limitações funcionais, mas também em consequências psicológicas e sociais.
O peso econômico associado à condição é igualmente relevante, envolvendo custos diretos com cuidados de saúde e indiretos relacionados à perda de produtividade. Nos últimos anos, avanços no entendimento de sua fisiopatologia têm permitido ampliar o conhecimento sobre o processo da doença e abrir caminhos para estratégias terapêuticas mais direcionadas.
Etiologia da Artrite Psoriática
A etiologia da artrite psoriática não é totalmente compreendida, envolvendo a interação complexa entre fatores genéticos e ambientais que culminam em inflamação imunomediada da pele, articulações e outros órgãos. De 33% a 50% dos pacientes apresentam pelo menos um parente de primeiro grau com psoríase ou artrite psoriática, reforçando o papel hereditário.
Entre os genes mais associados destacam-se os do complexo HLA, como HLA-B*08:01, ligado a artrite periférica e sacroileíte assimétrica; HLA-B*27:05, associado ao acometimento axial, entesites e dactilite; HLA-B38 e HLA-B39, relacionados à poliartrite; e HLA-B*44:02/03, que confere proteção e doença mais branda. O HLA-DR4, por sua vez, associa-se ao fenótipo de poliartrite simétrica, semelhante ao da artrite reumatoide.
Genes não relacionados ao HLA também participam, como IL-23R, TNFAIP3, TNF3IP2, REL, FBX19 e PTPN22, todos envolvidos na ativação imune, expressão de citocinas e função de linfócitos T. Já a psoríase possui maior associação com HLA-B*57:01 e HLA-C*06:02 (PSORS1), além do IL-12B, não implicado na artrite psoriática, o que mostra que nem todos os marcadores genéticos coincidem entre as duas doenças.
O acometimento axial na artrite psoriática apresenta particularidades: apenas 20% dos pacientes são positivos para HLA-B27, em contraste com 80% a 90% nos casos de espondiloartrite axial clássica. Os indivíduos HLA-B27 positivos têm quadro semelhante à espondilite anquilosante, enquanto os negativos tendem a apresentar início mais tardio, menor dor lombar, maior frequência de doença cervical e alterações radiográficas distintas, como sacroileíte assimétrica e sindesmófitos volumosos e irregulares.
Entre os fatores ambientais, destacam-se possíveis associações com infecções estreptocócicas, uso recente de antibióticos, tabagismo, que parece ser protetor na artrite psoriática, e o fenômeno de Koebner, no qual traumas cutâneos ou articulares podem desencadear surtos da doença.
Epidemiologia da Artrite Psoriática
A artrite psoriática tem incidência de 6 a 15 casos por 100.000 habitantes/ano e prevalência de 1 a 2 por 1.000 na população geral. Entre pacientes com psoríase, a prevalência varia de 4% a 30%, sendo em média 20% e chegando a 25% nos casos moderados a graves. A incidência anual em indivíduos com psoríase sem artrite é de 2,7% a 3,2%.
Os principais fatores de risco são lesões no couro cabeludo, distrofia ungueal e lesões interglúteas/perianais. Na maioria dos casos, a psoríase precede a artrite em 7 a 8 anos, embora em 7% a 15% a artrite surja antes e em 15% ambas ocorram ao mesmo tempo. O risco de desenvolvimento permanece ao longo da vida, podendo ocorrer até décadas após o início da psoríase.
Manifestações clínicas da Artrite Psoriática
A artrite psoriática apresenta grande heterogeneidade clínica, tanto no curso da doença quanto nos domínios acometidos. A maioria dos pacientes (65%) apresenta envolvimento de múltiplos domínios, e cerca de um terço pode ter três ou mais domínios afetados. A gravidade varia desde formas leves até quadros com deformidades articulares avançadas.
Envolvimento musculoesquelético
- Artrite periférica: Pode ser oligoarticular assimétrica, poliarticular simétrica (semelhante à artrite reumatoide), distal (comprometendo articulações interfalângicas distais), artrite mutilante (forma destrutiva grave) ou associada a espondiloartrite. Os padrões podem mudar ao longo do tempo.
- Axial: Envolve sacroilíacas e coluna vertebral, podendo ser semelhante à espondilite anquilosante. Está associada ao HLA-B*27, maior acometimento ungueal e inflamação intestinal. Radiologicamente, pode apresentar sindesmófitos mais volumosos e assimétricos.
- Entesites: Inflamação nos locais de inserção de tendões e ligamentos, como tendão de Aquiles, fáscia plantar e ossos da pelve. Pode estar presente em até 35% dos pacientes.
- Tenossinovite: Inflamação frequente em tendões flexores das mãos e tendões dos pés.
- Dactilite: Inchaço difuso de todo o dedo (“dedo em salsicha”), ocorre em quase metade dos pacientes e está associado a maior risco de dano articular progressivo.
Alterações cutâneas e ungueais
- Psoríase cutânea está presente em cerca de 70% dos pacientes no momento do diagnóstico. Em alguns casos, a artrite precede a pele.
- Comprometimento ungueal (80–90% dos casos): inclui pitting (pequenas depressões), onicólise (descolamento da unha), hiperqueratose subungueal e alterações estruturais. A gravidade das alterações pode se correlacionar com maior gravidade da artrite.
Sintomas gerais
- Dor e rigidez articular: rigidez matinal >30 minutos em cerca de metade dos pacientes.
- Fadiga: ocorre em aproximadamente 22% dos casos, podendo preceder o desenvolvimento da artrite.
- Edema com cacifo: pode acometer mãos e pés de forma assimétrica, precedendo o envolvimento articular.
Manifestações extra-articulares
- Oculares: uveíte (7%) e conjuntivite (até 20%), mais comuns em associação com HLA-B*27 e doença axial.
- Doença inflamatória intestinal: prevalência maior do que na população geral, podendo impactar a escolha terapêutica.
Achados laboratoriais e de imagem
- Laboratoriais: alterações inespecíficas (VHS e PCR elevadas em 40%). Fator reumatoide e anti-CCP podem estar presentes em minoria.
- Imagens: achados típicos incluem coexistência de erosões e neoformação óssea, “pencil-in-cup”, anquilose e periostite.
- Ressonância magnética e ultrassom: úteis para identificar inflamação em tecidos moles, entesites e alterações precoces.
Comorbidades associadas
- Cardiovasculares: aumento de risco de infarto, AVC e aterosclerose.
- Metabólicas: síndrome metabólica, diabetes, hipertensão, doença hepática gordurosa.
- Psicológicas: depressão e ansiedade são mais frequentes que na psoríase isolada.
Diagnóstico de Artrite Psoriático
O diagnóstico da artrite psoriática (APs) é baseado na combinação de dados clínicos, laboratoriais e de imagem, já que não existe um teste específico para a condição.
Avaliação laboratorial
Não há marcadores exclusivos de APs.
- VHS e PCR podem estar elevados, mas apenas em cerca de 40% dos pacientes, não sendo critérios confiáveis para exclusão da doença.
- Fator reumatoide (FR) e anticorpos anti-CCP, geralmente associados à artrite reumatoide, estão ausentes na maioria dos casos. O FR pode ser positivo em 2%–10% e o anti-CCP em cerca de 5% dos pacientes.
- ANA podem estar presentes em títulos baixos em uma minoria (cerca de 14%).
Achados de imagem
As alterações radiográficas são características e ajudam a diferenciar a APs de outras artrites:
- Artrite periférica: erosões, osteólise, anquilose, neoformação óssea e deformidade em “pencil-in-cup”.
- Axial: sacroiliíte e espondilite, com sindesmófitos não marginais, volumosos, assimétricos e descontínuos, diferindo da espondilite anquilosante.
- Entesites: erosões e nova formação óssea nas inserções tendíneas.
- Exames avançados (US musculoesquelético e RM): mais sensíveis para alterações precoces, úteis na detecção de sinovite subclínica, entesites e dactilites.
Critérios de classificação
O critério mais aceito atualmente é o CASPAR (2006), que apresenta alta especificidade (98,7%) e boa sensibilidade (91,4%).
- Requer a presença de artrite inflamatória associada a pelo menos 3 pontos em itens como:
- Psoríase (2 pontos se ativa, 1 ponto se pregressa ou familiar).
- Alterações ungueais (onicólise, pitting, hiperqueratose).
- Dactilite (atual ou prévia documentada).
- Fator reumatoide negativo.
- Formação óssea justarticular nova (distinta de osteófitos).
Antes do CASPAR, outros critérios eram utilizados (Moll & Wright, Bennet, Vassey & Espinoza, ESSG), mas atualmente são pouco empregados.
Tratamento da Artrite Psoriática
O manejo da artrite psoriática deve ser conduzido de forma multidisciplinar, envolvendo reumatologistas, dermatologistas e outros profissionais de saúde. Essa integração é fundamental, já que a doença apresenta manifestações tanto articulares quanto cutâneas e pode se associar a diferentes comorbidades, exigindo uma visão ampla do cuidado.
Além do tratamento medicamentoso, medidas não farmacológicas desempenham papel essencial. Entre elas, destacam-se a prática de exercícios físicos regulares, que contribuem para manutenção da mobilidade e prevenção de limitações funcionais, e a fisioterapia, que auxilia no fortalecimento muscular e na proteção das articulações. A terapia ocupacional também pode oferecer estratégias para adaptação das atividades diárias e melhora da qualidade de vida.
Opções farmacológicas
- Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): úteis em quadros leves de artrite periférica ou doença inicial.
- Corticosteroides: podem ser aplicados como infiltrações locais; uso sistêmico deve ser restrito e em baixas doses.
- DMARDs sintéticos convencionais (csDMARDs)
- Incluem metotrexato (MTX), sulfassalazina e leflunomida.
- MTX é preferido em pacientes com acometimento cutâneo relevante.
- Indicado em artrite periférica poliarticular ou oligoarticular com fatores de mau prognóstico.
- DMARDs biológicos (bDMARDs)
- Recomendados em casos graves ou refratários aos csDMARDs.
- Inibidores de TNF são a primeira escolha na maioria dos cenários.
- Inibidores de IL-17 ou IL-12/23 podem ser preferidos quando há envolvimento cutâneo significativo.
- DMARDs sintéticos alvo-dirigidos (tsDMARDs)
- Inibidores de JAK são considerados quando há falha ou contraindicação a bDMARDs.
- Inibidor de PDE4 (apremilaste) pode ser opção em casos leves, refratários a csDMARDs e quando bDMARDs/JAK não são adequados.
Diretrizes
- ACR/NPF 2018: recomendam iniciar com anti-TNF em pacientes sem tratamento prévio, preferindo-os a csDMARDs, salvo casos leves. IL-17 e IL-12/23 podem ser usados quando a psoríase é grave ou há contraindicações.
- EULAR 2019: orientam iniciar rapidamente csDMARDs em poliartrite, preferindo MTX se houver lesões cutâneas importantes. Em falha, introduzir bDMARDs, priorizando anti-TNF, e considerar inibidores de JAK ou PDE4 em situações específicas.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica de fora das provas de residência, concursos públicos e até da atividades da graduação. Veja abaixo:
SE – Universidade Federal de Sergipe – UFS (Hospital Universitário de Sergipe) – 2018 – Residência (Acesso Direto)
As articulações interfalangeanas distais dos dedos das mãos estão comprometidas em quais afecções?
A) Artrite reumatoide e espondilite anquilosante.
B) Lúpus eritematoso sistêmico e polimiosite.
C) Osteoartrite e artrite psoriásica.
D) Artrite idiopática juvenil e doença de Still do adulto.
Comentário da questão:
A) A alternativa “a” está incorreta, na artrite reumatoide o acometimento articular é simétrico, aditivo, poliarticular de pequenas articulações, sendo que aqui as interfalangeanas distas são poupadas. Na espondilite anquilosante temos o comprometimento oligoarticular, assimétrico mais em membros inferiores.
B) A alternativa “b” está incorreta, tanto no Lúpus quanto na polimiosite há acometimento articular. Nos lúpus há acometimento poliarticular simétrico e migratório e faz parte da manifestação inicial da doença em 62% dos casos, não há preferencia por interfalangeanas distas. Na polimiosite também pode haver acometimento articular que geralmente é não erosivo e pode afetar tanto grandes como pequenas articulações, sem predileção pelas interfalangeanas distais.
C) A alternativa “c” está correta, na osteoartrite o acometimento das interfalangeanas distais é comum, sendo uma articulação típica na forma primária da doença. Na artrite psoriásica o padrão clássico de acometimento da interfalangeana distal também é clássico, embora não seja o mais comum isoladamente.
D) A alternativa “d” está incorreta, a atrite idiopática juvenil é um grupo de doenças distintas que ocorre em crianças com menos de 16 anos e se manifesta principalmente por artrite persistente, com duração mais de 6 semanas. Há a forma psoriásica onde a interfalangeana distal pode ser acometida preferencialmente. Na doença de Still do adulto ocorre também acometimento articular, geralmente quadro oligoarticular e leve, as articulações mais envolvidas aqui são joelhos, punhos, calcanhares, cotovelo, interfalangeanas proximais, ombro e tornozelo.
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Referências
Tiwari V, Brent LH. Psoriatic Arthritis. [Updated 2024 Jan 7]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK547710/
Dafna D Gladman, MD, FRCPCChristopher Ritchlin, MD, MPH. Clinical manifestations and diagnosis of psoriatic arthritis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate