Resumo sobre Cetoacidose Alcoólica: definição, quadro clínico e mais!

Resumo sobre Cetoacidose Alcoólica: definição, quadro clínico e mais!

E aí, doc! Hoje vamos comentar sobre mais um assunto, a Cetoacidose Alcoólica, uma condição metabólica que acontece em pessoas com histórico de consumo crônico ou pesado de álcool.

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Definição de Cetoacidose Alcoólica

A cetoacidose alcoólica é uma complicação metabólica que ocorre em pacientes desnutridos com histórico de consumo moderado ou grave de álcool, caracterizada por hipercetonemia e acidose metabólica, geralmente sem hiperglicemia significativa. 

É desencadeada pelo jejum prolongado e pela ingestão excessiva de álcool, levando ao acúmulo de corpos cetônicos no sangue e à acidificação do organismo. 

Inicialmente, acreditava-se que a cetoacidose alcoólica era mais prevalente em mulheres, mas pesquisas mais recentes descobriram que sua incidência é comparável entre homens e mulheres.

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Fisiopatologia da Cetoacidose Alcoólica

O processo de metabolização do álcool no corpo ocorre em diferentes etapas, começando com a conversão do álcool em substâncias como o acetaldeído e, em seguida, em ácido acético. Esse ácido pode ser usado como fonte de energia ou convertido em outra substância chamada acetil-CoA. O acetil-CoA tem várias rotas possíveis, incluindo a produção de energia no ciclo de Krebs, a formação de ácidos graxos ou a criação de corpos cetônicos, como o ácido acetoacético e o ácido beta-hidroxibutírico.

Quando alguém consome álcool, isso pode influenciar a forma como o corpo utiliza a gordura como fonte de energia. Durante o consumo ativo de álcool, a quebra das gorduras é inibida, o que limita a quantidade de ácidos graxos disponíveis para o fígado. 

Durante o consumo ativo de álcool, o metabolismo do etanol gera acetato e acetil-CoA, que têm um efeito inibitório na quebra das gorduras (lipólise) fora do fígado. Isso significa que menos ácidos graxos são entregues ao fígado para serem processados. Como resultado, a oxidação hepática dos ácidos graxos é limitada.

Entretanto, quando o consumo de álcool é interrompido e os níveis de etanol no organismo começam a diminuir, há um aumento nas concentrações de hormônios como catecolaminas (especialmente norepinefrina) e cortisol. Esses hormônios respondem ao estado de jejum e à retirada do etanol, resultando em uma resposta hormonal que promove a lipólise, ou seja, a quebra de gorduras para liberar ácidos graxos.

A oxidação do etanol em acetaldeído e, posteriormente, em ácido acético leva a uma mudança na relação entre os coenzimas NAD+ e NADH. Isso tem várias consequências metabólicas:

  • Primeiro, essa mudança reduz a capacidade do fígado de realizar gliconeogênese, o processo pelo qual a glicose é sintetizada a partir de outras substâncias, e pode resultar em hipoglicemia.
  • Segundo, direciona a produção de corpos cetônicos, como o ácido acetoacético e o ácido beta-hidroxibutírico, para um maior predominância do ácido beta-hidroxibutírico. Isso pode ter implicações diagnósticas, especialmente em testes que detectam corpos cetônicos, como o teste do nitroprussiato.
  • Por último, favorece a conversão do piruvato em lactato. Embora esse efeito geralmente não seja clinicamente significativo na cetoacidose alcoólica, uma acidose láctica significativa pode indicar outras condições subjacentes, como hipovolemia, insuficiência cardíaca ou sepse.

Quadro clínico da Cetoacidose Alcoólica

A cetoacidose alcoólica é frequentemente associada a um quadro clínico complexo, com uma variedade de manifestações observadas nos pacientes. Alguns dos sintomas e sinais mais comuns incluem:

  • Náuseas, vômitos e dor abdominal: Esses sintomas são frequentemente relatados pelos pacientes, ocorrendo em uma proporção significativa de casos. Geralmente, eles surgem no final de um episódio de compulsão alimentar ou consumo excessivo de álcool e podem persistir por um ou dois dias antes da cetoacidose se desenvolver. Além dos efeitos agudos do álcool, como esofagite, gastrite, hepatite ou pancreatite, outras condições médicas não relacionadas podem contribuir para esses sintomas.
  • Sensibilidade abdominal generalizada: Junto com hepatomegalia (aumento do fígado), há evidências laboratoriais de hepatite alcoólica (aumento das enzimas hepáticas, como transaminases e bilirrubina) e/ou pancreatite (aumento das enzimas pancreáticas, como amilase e lipase).
  • Hipovolemia e/ou depleção de potássio: Isso pode resultar de perdas gastrointestinais, como vômitos ou diarreia, ou de perdas urinárias causadas pela excreção renal de sódio e potássio junto com os ânions cetoácidos. Além disso, o desenvolvimento de pancreatite pode levar ao terceiro espaçamento, onde fluidos extravasam dos vasos sanguíneos para os tecidos circundantes.
  • Taquicardia e hipertensão: Essas alterações cardiovasculares podem ser devido à abstinência de álcool, à pancreatite e/ou à depleção de volume.
  • Aumento da frequência respiratória: Isso pode ocorrer devido à abstinência de álcool, dor, doença hepática crônica e/ou compensação respiratória pela acidose metabólica.

É importante notar que, ao contrário da cetoacidose diabética, os pacientes com cetoacidose alcoólica geralmente permanecem alertas e lúcidos, apesar da gravidade da condição. No entanto, uma exceção ocorre em pacientes com delirium causado pela abstinência de álcool.

Exames laboratoriais na Cetoacidose Alcoólica

Um dos aspectos mais notáveis é a variação nas concentrações plasmáticas de glicose, que podem estar reduzidas, normais ou modestamente elevadas, geralmente sendo inferiores a 275 mg/dL. Esta variação é importante, uma vez que a cetoacidose alcoólica pode ocorrer mesmo na ausência de diabetes mellitus.

Outra anormalidade comum é a depleção de potássio, resultando em hipocalemia. Esta depleção pode ser causada por várias razões, incluindo perdas gastrointestinais e excreção renal de potássio juntamente com ânions cetônicos. A hipofosfatemia também é comum, com os níveis plasmáticos de fosfato podendo estar inicialmente normais ou elevados, mas frequentemente diminuindo após a hospitalização.

Além disso, a hipomagnesemia é uma observação frequente em pacientes com cetoacidose alcoólica. Isso pode ser devido a deficiência alimentar, perda urinária de magnésio e exacerbação pela acidose metabólica.

O gap osmolal sérico elevado é uma característica distintiva, refletindo a presença de etanol e acetona no sangue, que não são incluídos na fórmula padrão para calcular a osmolalidade.

Na cetoacidose alcoólica, a acidose metabólica com hiato aniônico elevado pode ocorrer devido a diferentes mecanismos. Um dos principais é a perda de ânions de cetoácidos (como beta-hidroxibutirato e acetato) na urina, acompanhada por sódio ou potássio. Essa perda urinária de sais de sódio ou potássio representa a redução da “bicarbonatemia potencial”, levando à diminuição da lacuna aniônica plasmática para próximo do normal, enquanto o bicarbonato sérico permanece inalterado. Por outro lado, a perda de ânions de cetoácidos com hidrogênio ou amônio reduzirá a lacuna aniônica e aumentará a concentração sérica de bicarbonato para próximo do normal.

Outra causa possível pode ser a presença de diarreia ou acidose tubular renal. Nestes casos, a perda excessiva de bicarbonato nos líquidos corporais pode levar a uma diminuição do bicarbonato sérico e, consequentemente, a um aumento compensatório na retenção de íons de cloro para manter a eletroneutralidade. Isso resulta em uma lacuna aniônica normal ou apenas ligeiramente elevada, mas com uma acidose metabólica evidente.

Diagnóstico da Cetoacidose Alcoólica

O diagnóstico de cetose ou cetoacidose é sugerido pela presença de um hiato aniônico elevado e é confirmado pela detecção de corpos cetônicos. Para confirmar o diagnóstico, é necessário verificar a presença de corpos cetônicos na urina (cetonúria) e no sangue (cetonemia). Os testes de nitroprussiato são comumente usados, embora possam ter menor sensibilidade em pacientes com cetoacidose alcoólica. 

A dosagem direta dos níveis séricos de beta-hidroxibutirato também pode ser realizada. A distinção entre cetose em jejum e cetoacidose alcoólica, bem como entre esses distúrbios e a cetoacidose diabética, é feita com base na história clínica do paciente e na concentração de glicose sérica.

Tratamento da Cetoacidose Alcoólica

É recomendada a administração de tiamina 500 mg IV. A administração de tiamina deve ocorrer antes de qualquer solução contendo glicose para reduzir o risco de precipitar ou exacerbar a encefalopatia de Wernicke. Em casos de hipoglicemia, a administração de glicose não deve ser adiada à espera da tiamina.

A administração de glicose e soluções salinas pode alcançar a correção parcial da acidose metabólica em pacientes com cetoacidose alcoólica ou em jejum. A glicose aumenta a secreção de insulina, reduzindo a oxidação hepática de ácidos graxos e a geração de cetoácidos. As soluções salinas preenchem os déficits de fluido extracelular e ajudam a manter a eletroneutralidade. As taxas de infusão devem ser ajustadas com base nos achados clínicos e bioquímicos de cada paciente. A glicose será a 5% associado a solução fisiológica a 0,9% IV.

A hipocalemia é corrigida com reposição oral e/ou intravenosa, dependendo da gravidade.

A depleção de fosfato é comum em pacientes com transtorno por uso de álcool, mas a concentração sérica pode estar normal ou elevada na apresentação.

A hipomagnesemia é comum na cetoacidose alcoólica, ocorrendo em aproximadamente 20% dos pacientes. A reposição oral de magnésio pode ser difícil, então a administração parenteral é frequentemente necessária.

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Referências

Ankit Mehta, MDMichael Emmett, MD. Fasting ketosis and alcoholic ketoacidosis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate

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