E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é o Coma Mixedematoso, a forma mais grave e potencialmente fatal do hipotireoidismo, caracterizada por descompensação sistêmica com rebaixamento do nível de consciência, hipotermia e disfunções cardiovasculares, respiratórias e metabólicas.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Coma Mixedematoso
O coma mixedematoso é a manifestação mais grave e potencialmente fatal do hipotireoidismo, caracterizada por rebaixamento progressivo do estado mental, disfunção de múltiplos órgãos e elevada taxa de mortalidade, mesmo com os avanços da terapia intensiva.
Trata-se de uma emergência clínica rara, geralmente desencadeada quando fatores estressores como infecção, hipotermia, cirurgia, trauma ou uso de determinados medicamentos superam os mecanismos compensatórios presentes em pacientes com deficiência prolongada de hormônios tireoidianos.
Embora o termo sugira coma e edema cutâneo marcante, esses achados nem sempre estão presentes. O quadro clínico costuma evoluir com alteração do sensório, instabilidade hemodinâmica e falência orgânica progressiva.
Etiologia do Coma Mixedematoso
A etiologia do coma mixedematoso está relacionada à descompensação aguda dos mecanismos homeostáticos em pacientes com hipotireoidismo, geralmente crônico e não tratado ou inadequadamente tratado. Esses pacientes desenvolvem adaptações fisiológicas para tolerar a deficiência hormonal, porém eventos estressores podem romper esse equilíbrio e precipitar o quadro grave.
- Infecções: principal fator precipitante, incluindo infecção do trato urinário, pneumonia, infecções virais, influenza e Covid-19;
- Exposição ao frio: especialmente em climas frios, levando à piora da hipotermia;
- Hipotermia e hipoglicemia: reduzem ainda mais o metabolismo já comprometido;
- Hipoxemia e retenção de dióxido de carbono: agravam a depressão respiratória e metabólica;
- Uso de medicamentos: amiodarona, lítio, sedativos, tranquilizantes, anestésicos, opioides, fenitoína, rifampicina, diuréticos e betabloqueadores, com risco aumentado de toxicidade devido ao metabolismo lento;
- Terapias imunológicas: uso de anti-TNF e inibidores de checkpoint imunológico como CTLA-4 e PD-1;
- Insuficiência cardíaca congestiva: reduz a perfusão tecidual e agrava a disfunção sistêmica;
- Hemorragia digestiva: causa estresse metabólico agudo e instabilidade hemodinâmica;
- Cirurgia: estresse cirúrgico com supressão transitória da secreção de hormônios tireoidianos;
- Trauma: desencadeia resposta inflamatória sistêmica e descompensação hormonal;
- Acidente vascular cerebral: agrava o rebaixamento do nível de consciência e o estresse sistêmico;
- Cetoacidose diabética: descrita como fator precipitante, especialmente em pacientes submetidos à tireoidectomia total.
Fisiopatologia do Coma Mixedematoso
A fisiopatologia do coma mixedematoso resulta da deficiência extrema e prolongada dos hormônios tireoidianos, levando a uma falência global dos mecanismos metabólicos e regulatórios do organismo.
A ausência de T3 e T4 provoca uma redução acentuada do metabolismo basal, podendo chegar a 40% a 50%, com queda significativa da produção de energia celular. Como o T3 é o principal hormônio ativo intracelular, sua redução compromete a ativação de genes essenciais ao funcionamento celular, incluindo aqueles relacionados à contratilidade cardíaca, ao metabolismo energético e à regulação térmica. Além dos efeitos genômicos, a deficiência hormonal também reduz ações não genômicas, como a atividade da Na⁺/K⁺-ATPase, a fosforilação oxidativa e a função dos canais iônicos.
No sistema cardiovascular, ocorre diminuição da contratilidade miocárdica, redução do débito cardíaco e bradicardia. A hipotermia e a depressão respiratória levam inicialmente à vasoconstrição periférica compensatória, mas com a progressão do quadro há perda do tônus vascular, resultando em hipotensão, choque, arritmias e bloqueios cardíacos. Pode haver derrame pericárdico devido ao acúmulo de mucopolissacarídeos.
No sistema nervoso central, a redução do metabolismo cerebral causa lentificação progressiva do estado mental, que se manifesta inicialmente como letargia e evolui para confusão, rebaixamento do nível de consciência e coma. Alterações como diminuição dos reflexos, psicose e convulsões podem ocorrer, associadas a aumento da permeabilidade meníngea e do conteúdo proteico no líquor.
A depressão respiratória é um dos principais mecanismos envolvidos no coma, decorrente da redução da resposta ventilatória à hipóxia e à hipercapnia, associada à fraqueza muscular respiratória. Edema de língua e pregas vocais, além de derrames pleurais e ascite, contribuem para hipoventilação e insuficiência respiratória.
No trato gastrointestinal, o metabolismo lento leva a íleo paralítico, constipação, distensão abdominal, ascite e redução da absorção de medicamentos. Alterações da coagulação aumentam o risco de sangramento digestivo.
No sistema renal, ocorre redução da taxa de filtração glomerular e retenção hídrica, resultando em hiponatremia, agravada pelo aumento do hormônio antidiurético. Essa alteração eletrolítica contribui de forma importante para a disfunção neurológica.
Do ponto de vista hematológico, há maior risco de sangramento devido à redução de fatores de coagulação e ao desenvolvimento de síndrome de von Willebrand adquirida, condição reversível com reposição hormonal.
Manifestações clínicas do Coma Mixedematoso
As manifestações clínicas do coma mixedematoso refletem o comprometimento sistêmico grave decorrente da deficiência extrema dos hormônios tireoidianos, com predomínio de alterações neurológicas, térmicas, respiratórias e cardiovasculares.
- Alteração do estado mental: é a manifestação mais frequente. Pode variar de apatia, lentificação cognitiva, diminuição da atenção, confusão e desorientação até psicose e coma, sendo comum uma apresentação inicial sutil.
- Hipotermia: achado característico, frequentemente com temperatura corporal abaixo de 35,5 °C. Quanto menor a temperatura, pior o prognóstico. Alguns pacientes podem permanecer normotérmicos, o que não exclui o diagnóstico.
- Manifestações respiratórias: incluem hipoventilação, redução da resposta ventilatória à hipóxia e hipercapnia, apneia do sono e insuficiência respiratória, contribuindo de forma importante para o rebaixamento do nível de consciência.
- Alterações cardiovasculares: bradicardia, redução do débito cardíaco e instabilidade hemodinâmica. Pode haver hipertensão diastólica inicial, seguida de hipotensão e choque nos quadros mais avançados.
- Alterações cutâneas e fácies mixedematosa: pele seca, fria e espessada, edema não depressível, especialmente em face e extremidades, além de rarefação ou queda de pelos.
- Manifestações neuromusculares: diminuição da mobilidade, fraqueza, lentificação dos movimentos e relaxamento tardio dos reflexos profundos.
- Alterações gastrointestinais: distensão abdominal, constipação, íleo paralítico, impactação fecal e, em casos graves, megacólon. Esses achados justificam a importância do exame abdominal e retal de rotina.
- Alterações urinárias: atonia vesical com retenção urinária e distensão da bexiga.
- Achados gerais adicionais: cicatrizes cervicais sugerindo cirurgia tireoidiana prévia, bócio ou ausência de tecido tireoidiano palpável, além de apresentação atípica em idosos, como redução progressiva da mobilidade e do desempenho funcional.
Diagnóstico do Coma Mixedematoso
O diagnóstico do coma mixedematoso é essencialmente clínico, exigindo alto grau de suspeição, especialmente em mulheres, nos meses frios, com história de doença tireoidiana e presença de fator precipitante. Os achados mais característicos são alteração do estado mental e hipotermia, frequentemente associados a bradicardia, hipotensão, hipoventilação e hiponatremia. Em casos graves, a hipotermia pode evoluir para parada cardíaca.
A avaliação laboratorial mostra, no hipotireoidismo primário, redução acentuada de T4 total, T4 livre e T3 livre, com elevação do TSH. Devem ser considerados o hipotireoidismo central, com TSH baixo ou inapropriadamente normal, e a síndrome do eutireoidismo doente, na qual a elevação do TSH pode ser discreta. A dosagem de outros hormônios hipofisários auxilia na diferenciação etiológica.
Alterações laboratoriais sistêmicas são frequentes, incluindo anemia, leucopenia, elevação de creatinofosfoquinase, aumento de transaminases, hiperlipidemia, hipoglicemia e hiponatremia com baixa osmolaridade sérica, relacionada à retenção hídrica.
A investigação complementar deve incluir pesquisa de infecção, eletrocardiograma com possíveis alterações de condução e prolongamento do QT, gasometria arterial demonstrando hipóxia e hipercapnia, e ecocardiograma para exclusão de derrame pericárdico quando indicado. Exames neurológicos e ressonância magnética são úteis nos casos suspeitos de hipotireoidismo central.
Tratamento do Coma Mixedematoso
O tratamento do coma mixedematoso é uma emergência médica e deve ser realizado exclusivamente em unidade de terapia intensiva, devido à alta mortalidade associada. A abordagem é multissistêmica, simultânea e deve ser iniciada imediatamente, mesmo antes da confirmação laboratorial definitiva.
Admissão e medidas iniciais
- Todos os pacientes devem ser internados em UTI.
- Monitorização contínua cardíaca, respiratória e hemodinâmica.
- Identificação e tratamento imediato de fatores precipitantes, especialmente infecções.
Suporte respiratório
- Avaliação frequente com gasometria arterial.
- A maioria dos pacientes necessita de ventilação mecânica, devido à hipoventilação, risco de aspiração e possível obstrução de vias aéreas por mixedema laríngeo.
- O suporte ventilatório só deve ser suspenso após correção da hipoxemia, hipercapnia e recuperação do nível de consciência.
Controle da hipotermia e estabilidade hemodinâmica
- Reaquecimento lento e passivo, com cobertores térmicos e aumento da temperatura ambiente.
- Reaquecimento rápido deve ser evitado, pois pode causar vasodilatação periférica e piorar a hipotensão.
- Hipotensão deve ser tratada inicialmente com fluidos intravenosos.
- Uso de vasopressores é indicado quando a hipotensão persiste, até que o hormônio tireoidiano faça efeito.
Correção de distúrbios metabólicos
- Hipoglicemia deve ser tratada com dextrose intravenosa, de forma cuidadosa.
- Hiponatremia exige manejo cauteloso, evitando soluções hipotônicas.
- Em hiponatremia grave abaixo de 120 mmol/L, pode ser necessário soro hipertônico a 3%, com correção lenta para prevenir mielinólise osmótica.
- A meta inicial é elevar o sódio em 4 a 6 mmol/L nas primeiras 24 horas, sem exceder 6 a 8 mmol/L por dia.
Corticoterapia
- A hidrocortisona deve ser administrada antes da terapia hormonal tireoidiana, para prevenir crise adrenal.
- Dose inicial recomendada de 100 mg IV, seguida de 200 a 400 mg por dia.
- Pode ser reduzida ou suspensa após exclusão de insuficiência adrenal e estabilização hemodinâmica.
Reposição de hormônio tireoidiano
- Deve ser iniciada imediatamente quando houver forte suspeita clínica.
- A terapia de escolha é levotiroxina intravenosa.
- Dose de ataque recomendada de 200 a 400 µg IV, com doses menores em idosos ou pacientes com doença cardíaca.
- Manutenção com aproximadamente 1,6 µg/kg/dia, ajustada para via intravenosa.
- Monitorar TSH, T4 livre e T3 livre a cada 24 a 48 horas.
Uso de liotironina
- Pode ser considerada se não houver melhora clínica em 24 a 48 horas.
- Deve ser utilizada com cautela, especialmente em idosos e cardiopatas, devido ao risco aumentado de arritmias e mortalidade.
- Doses elevadas devem ser evitadas.
Alternativas em locais sem levotiroxina intravenosa
- A levotiroxina oral em altas doses pode ser utilizada, com bons resultados descritos em estudos observacionais e relatos de caso.
- Pode ser administrada em dose de ataque elevada, seguida de redução progressiva.
Acompanhamento
- Espera-se normalização do T4 livre em cerca de 4 dias.
- A gravidade do coma mixedematoso não deve ser avaliada apenas pelo TSH, pois seus níveis nem sempre refletem a severidade clínica.
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O coma mixedematoso constitui uma complicação grave do hipotireoidismo. Em relação a essa condição é correto afirmar:
A) O achado de hiperlactatemia determina a presença de processo infeccioso nesses pacientes
B) A hipernatremia é o distúrbio eletrolítico mais comumente encontrado
C) Devido à gravidade do quadro, o tratamento deve ser com uso de doses baixas de levotiroxina e aumento progressivo após melhora do estado crítico
D) Não há correlação direta entre os níveis séricos de hormônio tireoestimulante e a gravidade do paciente
Comentário da questão: Alternativas “D”
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Referências
Elshimy G, Chippa V, Anastasopoulou C, et al. Myxedema Coma. [Updated 2025 Dec 13]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK545193/
Douglas S Ross, MD. Myxedema coma. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate



