E aí, doc! Vamos discutir mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Angelman, um distúrbio genético raro que impacta o neurodesenvolvimento e está associado a sintomas como deficiência intelectual, convulsões e ataxia.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse tema crucial na área da saúde, ajudando a aprofundar seus conhecimentos e fortalecer sua prática clínica.
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Definição de Síndrome de Angelman
A síndrome de Angelman é um distúrbio genético do neurodesenvolvimento caracterizado por deficiência intelectual grave, microcefalia pós-natal, ataxia de marcha e comportamento anormal, como risos frequentes, hiperatividade e fascínio por água.
É causada pela ausência ou disfunção do gene UBE3A herdado da mãe, localizado no cromossomo 15q11-q13, devido a deleções, disomia uniparental paterna, defeitos no centro de impressão ou mutações pontuais.
Pacientes com essa condição apresentam convulsões, EEGs anormais e problemas de sono e alimentação, além de dificuldades na fala e comportamento autolesivo, com sintomas que persistem na vida adulta.
Etiologia da Síndrome de Angelman
A etiologia da síndrome de Angelman (SA) envolve a ausência de expressão do gene UBE3A no cérebro, essencial para a sinalização e degradação de proteínas por meio da enzima ubiquitina. Esse gene está sujeito ao processo de imprinting genômico, no qual a expressão depende da origem parental.
No caso específico do UBE3A, enquanto ambos os alelos (materno e paterno) são expressos em muitos tecidos, no cérebro apenas o alelo materno é ativo, e o alelo paterno é silenciado. Assim, quando há uma falha na expressão do alelo materno, ocorre um acúmulo de proteínas, resultando nas manifestações clínicas da SA.
Vários mecanismos genéticos podem causar a síndrome. A deleção da região 15q11.2-q13, herdada da mãe, é a causa mais comum, ocorrendo em cerca de 70-75% dos casos. A falta dessa porção do cromossomo, que inclui o gene UBE3A, compromete o desenvolvimento cerebral e leva a um quadro clínico mais grave, com microcefalia, crises convulsivas frequentes e importantes distúrbios na linguagem e no movimento.
Outro mecanismo é a dissomia uniparental paterna (DUP), na qual o paciente herda ambos os cromossomos 15 do pai, sem receber a cópia materna. Essa condição, presente em cerca de 1-2% dos casos, tende a apresentar um quadro clínico mais leve, com menos convulsões, melhor desenvolvimento da linguagem e crescimento corporal mais adequado em comparação aos casos com deleção.
A síndrome também pode resultar de um defeito no centro de imprinting, que altera a regulação da expressão do UBE3A e outros genes na mesma região cromossômica. Esses casos representam cerca de 3-5% dos diagnósticos e podem envolver um risco de recorrência elevado nas famílias. Além disso, mutações patogênicas diretamente no gene UBE3A herdado da mãe são identificadas em aproximadamente 10% dos casos e também afetam a função normal do gene.
O risco de recorrência da síndrome de Angelman depende do mecanismo genético envolvido. Nos casos de deleção ou dissomia uniparental paterna, o risco é geralmente menor que 1%. No entanto, se houver um defeito no centro de imprinting ou uma mutação no UBE3A herdado da mãe, o risco pode chegar a 50%, sendo recomendada a realização de diagnóstico pré-implantacional para gestações futuras.
A gravidade do quadro clínico varia de acordo com o tipo de alteração genética. Pacientes com deleções amplas costumam apresentar sintomas mais severos, como microcefalia e crises convulsivas precoces. Por outro lado, indivíduos com dissomia paterna apresentam um desenvolvimento cognitivo e de linguagem um pouco mais preservado, especialmente quando há mosaicismo genético, uma condição em que diferentes células possuem distintas combinações de material genético.
Características da Síndrome de Angelman
- Atraso no desenvolvimento: embora o desenvolvimento inicial seja normal, surgem sinais de atraso a partir dos 6 meses de vida, afetando todos os marcos. Aos 2 anos, observa-se microcefalia relativa ou absoluta. A hipotonia presente em 90% dos casos causa dificuldades na sucção, deglutição e alimentação.
- Hipermotricidade: a síndrome é marcada por hiperatividade, movimentos estereotipados como o agitar das mãos (“hand-flapping”), e tremores. O andar é vacilante, com ataxia evidente, e os antebraços costumam ficar flexionados durante a marcha.
- Comprometimento da fala: a linguagem verbal é bastante limitada, com a maioria dos indivíduos conseguindo pronunciar apenas 3 a 5 sílabas ou no máximo 4 a 5 palavras. esta dificuldade de fala afeta 98% dos casos.
- Crises convulsivas: convulsões frequentes afetam entre 80 a 90% dos pacientes, geralmente surgindo antes dos 4 anos. Embora possam melhorar ao longo da vida, as crises tendem a persistir na fase adulta.
- Aparência alegre e feliz: uma característica típica é o comportamento extremamente feliz, com facilidade para sorrir e rir de forma intensa. Muitas vezes, esses sorrisos e risos são desproporcionais ao contexto, sendo por isso conhecida como “síndrome da boneca feliz” ou “happy puppet syndrome”.
- Distúrbios do sono e outros comportamentos: são comuns alterações nos ciclos de vigília e sono, afetando entre 70 e 80% dos pacientes. Há sensibilidade aumentada ao calor, agressividade e fascínio por água ou barulhos repetitivos, como amassar papéis. Reflexos tendinosos costumam ser hiper-reativos.
- Alterações na pele e anexos: pacientes costumam apresentar hipopigmentação nos cabelos, na pele e nos olhos, que são mais claros em comparação aos familiares.
- Outras características físicas: entre os achados adicionais estão occipício plano, fenda occipital, língua protusa, prognatismo, sialorreia (salivação excessiva), estrabismo, boca e mandíbula grandes, e dentes espaçados. A obesidade é mais comum em casos sem deleção genética, além de haver predisposição para refluxo gastroesofágico.
- Padrões característicos no EEG: o exame de EEG mostra ondas lentas em torno de 2-3 Hz e paroxismos de complexos típicos ao fechar os olhos. Embora essas alterações sejam consideradas sugestivas da síndrome, é necessário analisá-las no contexto clínico.
Diagnóstico da Síndrome de Angelman
O diagnóstico da síndrome de Angelman começa pela suspeita clínica, baseada nas características típicas da doença e em alterações no eletroencefalograma (EEG). Para confirmar essa suspeita, é essencial realizar exames genéticos.
O primeiro teste recomendado é a análise do padrão de metilação da região SNRPN (15q11.2). Quando alterado, este exame confirma a síndrome em cerca de 80% dos casos. No entanto, ele não revela o mecanismo específico responsável pela doença, sendo necessário realizar testes complementares.
Entre os mecanismos possíveis, a deleção intersticial na região 15q11.2 é a causa mais comum, representando 70-75% dos casos. Essa alteração pode ser identificada por técnicas como MLPA, FISH, array genômico ou cariótipo.
Outra possibilidade é a dissomia uniparental (DUP), em que ambos os cromossomos 15 são herdados do pai, sendo detectada por testes como microssatélites ou SNP-array. Além disso, há o defeito no centro de imprinting, que é identificado em cerca de 5% dos casos. Em uma parcela menor dos pacientes (10-15%), os testes iniciais não identificam uma causa clara, ficando o mecanismo indefinido.
Em algumas situações, o teste de metilação pode ser normal, mostrando tanto o alelo metilado (materno) quanto o não metilado (paterno). Isso pode ocorrer em indivíduos sem a síndrome, em pacientes com mutações específicas no gene UBE3A ou em casos de condições semelhantes à síndrome de Angelman (AS-like).
Nesses casos, o próximo passo é realizar o sequenciamento dos éxons do gene UBE3A, utilizando a técnica de Sanger ou sequenciamento de nova geração (NGS), para identificar mutações patogênicas.
Se o sequenciamento não identificar nenhuma mutação, é necessário investigar a presença de deleções ou duplicações no gene UBE3A por meio de MLPA. Confirmando-se uma mutação, é importante testar a mãe para avaliar o risco de recorrência em futuras gestações, fornecendo um aconselhamento genético adequado.
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Referências
KIM, Chong Ae et al. Genética médica. Coord. José Otávio Costa Auler Junior, Luis Yu. 1. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2022. (Manual do Médico-Residente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Carlos A Bacino, MD, FACMG. Microdeletion syndromes (chromosomes 12 to 22). UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Marilyn Augustyn, MD. Autism spectrum disorder (ASD) in children and adolescents: Terminology, epidemiology, and pathogenesis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate