ResuMED de Valvopatias: estenose, insuficiência e mais!

ResuMED de Valvopatias: estenose, insuficiência e mais!

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Introdução das Valvopatias

Para um bom entendimento sobre valvopatias é necessário um retorno breve à fisiologia cardíaca, mais especificamente sobre ciclo cardíaco e ausculta cardíaca. Na ausculta cardíaca, auscultamos duas bulhas durante o ciclo cardíaco.

A primeira bulha (B1) refere-se ao fechamento das valvas atrioventriculares (mitral e tricúspide), definindo o início da sístole ventricular. Logo após, ocorre a segunda bulha (B2) relativo ao fechamento das valvas semilunares (aórtica e pulmonar) e abertura das valvas atrioventriculares, iniciando assim a diástole ventricular. Portanto, temos dois tipos de valvopatias: 

  • Estenoses: a valva não se abre de forma adequada, proporcionando um fluxo turbilhonado; e
  • Insuficiência: a valva não se fecha completamente, permitindo refluxo de sangue.

Logo, na sístole encontramos as valvas aórtica e pulmonar abertas e as valvas atrioventriculares fechadas. Por conseguinte, na diástole, encontraremos as valvas atrioventriculares abertas e as valvas semilunares fechadas. Desta forma, entre B1 e B2 temos a sístole, e entre B2 e B1 a diástole. 

  • Sopros sistólicos: estenose aórtica, estenose pulmonar, insuficiência mitral, insuficiência tricúspide; e 
  • Sopros diastólicos: estenose mitral, estenose tricúspide, insuficiência aórtica, e insuficiência pulmonar. 

Após essa breve revisão, iremos detalhar cada valvopatia, fique atento as principais características, coruja!

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Estenose Aórtica

Suas principais etiologias são: doença degenerativa ou calcificada (comum em idosos), doença congênita bicúspide, e doença reumática (mais comum em  países subdesenvolvidos). 

A estenose aórtica possui uma  tríade clássica de sintomas composta por precordialgia, síncope e dispneia, com o surgimento destes sintomas correspondendo a piora do prognóstico e da sobrevida. Pacientes com precordialgia possuem sobrevida média de 5 anos, síncope sobrevida média de 3 anos, e dispneia sobrevida média de apenas  2 anos. Logo, ao aparecimento de qualquer um desses sintomas está indicado a troca valvar. 

Exame físico

Os achados no exame físico são: 

  • Pulsos parvus et tardus (atraso do pico de fluxo e amplitude reduzida);
  • Sopro sistólico rude, ejetivo, crescendo e decrescendo (em diamante), mais audível em foco aórtico, com irradiação para as carótidas e fúrculas;
  • Fenômeno de gallavardin (irradiação do sopro para o ápice);
  • Hipofonese de B1; e
  • Desdobramento paradoxal de B2.

Exames complementares

O eletrocardiograma (ecg) pode evidenciar sobrecarga ventricular esquerda, e o raio x pode ser normal, sem aumento do índice cardiotorácico, pois estenose aórtica cursa com hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo. 

No entanto, o principal exame para estimar gravidade, complicações e definir a etiologia é o ecg. Abaixo temos uma tabela que estima gravidade da estenose aórtica através do seu uso: 

valvopatias

Complicações 

As principais complicações dessa valvopatia são: edema agudo de pulmão, endocardite infecciosa, eventos trombóticos e até morte súbita. A síndrome de Heyde é outra complicação que, apesar de rara, é bem frequente em provas, sendo composta pela tríade: estenose aórtica, disfunção plaquetária e angiodisplasia colônica com sangramento gastrointestinal.  

Tratamento dasValvopatias

Para pacientes sintomáticos graves é obrigatório o tratamento intervencionista. No entanto, os assintomáticos com estenose crítica também devem ser submetidos ao tratamento intervencionista. 

Os três tipos principais de intervenção que podem ser propostas são: troca valvar por uma prótese, o implante de prótese trasncateter (TAVI) e valvuloplastia por balão. 

A troca valvar por prótese é indicada em pacientes: com menos de 70 anos e risco cirúrgico baixo a moderado; a TAVI nos pacientes com mais de 70 anos e risco cirúrgico alto ou proibitivo; e a valvuloplastia com balão sendo considerado um procedimento ponte ou paliativo. 

Insuficiência Aórtica

As principais causas de IA são: febre reumática, valva bicúspide, doenças que dilatam a aorta (HAS, sífilis, espondilite anquilosante, dissecção aorta e síndrome de Marfan), degenerativa e endocardite. No Brasil sua principal causa ainda é a febre reumática.

Diagnóstico  daValvopatias

A maioria dos pacientes são assintomáticos nas fases iniciais da doença, porém quando sintomáticos, o principal sintoma é a dispneia.  Eleva-se a suspeita para esse diagnóstico em condições, no qual o ventrículo esquerdo se encontra com sobrecarga de volume devido ao refluxo de sangue da aorta  em direção ao ventrículo esquerdo. 

Exame físico: 

  • Pressão arterial divergente ou pressão de pulso aumentada;
  • Pulso em martelo d’água ou pulso de Corrigan;
  • Sopro protodiastólico, aspirativo e decrescente, mais audível no foco aórtico acessório, com irradiação cervical;
  • B2 hipofonética ou ausente;
  • Pulso bisferiens (dois picos sistólicos); e
  • Ictus cordis aumentado e desviado para a esquerda.

Um tema muito abordado em provas são os sinais clássicos da insuficiência aórtica. Confira: 

  • Musset: oscilações discretas da cabeça sincronizadas com o batimento cardíaco;
  • Quincke: Pulsação do leito ungueal;
  • Gerhard: Pulsação do baço;
  • Minervini: Pulsação da base da língua;
  • Rosemback: Pulsação do fígado;
  • Muller: Pulsação da úvula;
  • Hill: Pressão sistólica da artéria poplítea maior que 20 mmHg em relação a artéria braquial, com o paciente em decúbito dorsal; 
  • Landolfi: Pulsação das pupilas;
  • Corrigan: Pulso em martelo d’água;
  • Duroziez: Aumento do sopro quando se comprime a artéria femoral; e
  • Traube ou pistol shot:  Som forte audível em algumas artérias. 

Atenção: o sopro de Austin Flint ocorre devido a uma estenose mitral funcional, decorrente do regurgitamento do jato aórtico em direção ao folheto anterior da valva mitral, o que impede sua abertura na diástole, produzindo um sopro diastólico em ruflar mais audível em foco mitral. 

Exames complementares: 

Devido a sobrecarga crônica de  volume em câmaras esquerdas, pode-se encontrar no ecg sobrecargas de átrio e ventrículo esquerdo, além do aumento do índice cardiotorácico na radiografia de tórax.  

Ao ecocardiograma, graduamos a insuficiência aórtica, de acordo com sua fração regurgitante, e na presença de sinais de insuficiência cardíaca está indicada a cirurgia. 

Tratamento 

Em casos de insuficiência aórtica grave, é indicada a troca valvar. Abaixo, detalharemos outras  indicações de cirurgias em caso de insuficiência aórtica grave crônica: 

  • Presença de sintomas como dispneia grave limitando a qualidade de vida;
  • Indicação de outra cirurgia cardíaca concomitante;
  • Paciente assintomático, porém com disfunção ventricular e fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 50%; e 
  • Assintomáticos com dilatação de ventrículo esquerdo importante, com diâmetro maior que 75 mm e diâmetro sistólico maior que 55 mm.

Estenose Mitral

No Brasil, 95% dos casos de estenose mitral têm origem reumática. Decorre essencialmente da dificuldade do esvaziamento do átrio esquerdo durante a diástole ventricular, ocasionando uma sobrecarga atrial esquerda isolada.

Cronicamente, essa sobrecarga atrial esquerda leva a um aumento da pressão venocapilar pulmonar, congestão pulmonar e hipertensão pulmonar. Corresponde a valvulopatias mais comum na gravidez.  

Diagnóstico 

Os sintomas mais comuns são dispneia, ortopneia, hemoptise,  e dispneia paroxísticas noturna. Com o crescimento do átrio esquerdo devido a sobrecarga volumétrica o paciente pode apresentar rouquidão pela compressão do nervo laríngeo recorrente – síndrome de Ortner. A disfagia pode ocorrer por compressão extrínseca do esôfago pelo átrio esquerdo dilatado.

Exame físico: 

  • B1 hiperfonética;
  • Estalido de abertura da mitral;
  • Sopro diastólico em ruflar com reforço pré-sistólico em foco mitral; e
  • P2 hiperfonética ( em casos de hipertensão pulmonar). 

Exames complementares:

No ecg, podemos encontrar: 

  • Sobrecarga de átrio esquerdo: onda P com duração maior ou igual a 120 ms ou porção negativa da onda P em V1 maior que 1 mm2; e
  • Sobrecarga de câmaras direitas por congestão retrógrada: amplitude maior ou igual a 2,5 mm, desvio do eixo cardíaco para a direita e para anterior e onda S em V5 e V6 maior que 7 mm.

Já no raio x de tórax, encontraremos sinais de sobrecarga de átrio esquerdo (sinal do duplo contorno, sinal da bailarina e sinal do 4º arco), com ventrículo esquerdo  de tamanho normal. 

Para graduar a gravidade da estenose mitral utilizaremos essa tabela abaixo: 

Valvulopatias

Tratamento 

O tratamento clínico da estenose mitral merece uma atenção especial pois ele se baseia em um tripé: 

  • Controle da frequência cardíaca – betabloqueadores e bloqueadores do canal de cálcio.
  • Controle da volemia – diuréticos com cautela; e
  • Pacientes com fibrilação atrial e estenose mitral moderada- grave: uso de Varfarina

No entanto, para as estenoses mitrais existem três abordagens intervencionistas que podem ser propostas: valvoplastia percutânea com balão (VMCB), comissurotomia cirúrgica e troca valvar. 

Normalmente, o procedimento de escolha é a  VCMB e para sua indicação é necessário utilizar um escore chamado de escore de Wilkins e Block, que leva em consideração 4 parâmetros: mobilidade de folhetos, espessamento dos folhetos, calcificação valvar e aparato subvalvar comprometido

Portanto, escore <9 pontos indica-se VCMB, escore >11 pontos indica-se troca valvar e escore 9-11 pontos devemos individualizar qual seria a melhor conduta. 

Devido a elevada probabilidade de descompensação clínica da estenose mitral no período gestacional, devemos acompanhar a gestação de perto pois se trata de uma gestação de alto risco.

Será indicado procedimento cirúrgico caso a paciente tenha uma área valvar muito reduzida <1,0 cm2, seja sintomática e tenha resposta insatisfatória ao tratamento clínico. O procedimento de escolha é a valvoplastia mitral com cateter balão e o melhor momento para realizá-lo é no segundo trimestre da gestação.  

Insuficiência Mitral

A insuficiência mitral é classificada em primária quando a doença é própria dos folhetos valvares ou da cordoalha tendínea, exemplos:  febre reumática, prolapso valvar mitral, endocardite e rotura de cordoalha. No Brasil, sua principal causa é a febre reumática. 

Em sua forma secundária, temos a perda da coaptação da valva devido a uma dilatação do anel mitral ou insuficiência dos músculos papilares, como exemplos desse tipo temos: cardiomiopatia dilatada, doenças isquêmica e cardiomiopatias hipertrófica. 

Uma etiologia que aparece em muitas provas é o prolapso da valva mitral, caracterizado por um deslocamento sistólico de um ou de ambos os folhetos da valva mitral em direção ao átrio esquerdo.

Diagnóstico

Ocasiona comumente sobrecarga de volume nas duas câmaras esquerdas. Apresenta-se com  sintomas semelhantes à insuficiência cardíaca crônica: dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna. 

Em casos de insuficiência mitral aguda, devido a falta de mecanismos compensatórios, o paciente pode evoluir rapidamente para edema agudo de pulmão. Logo, podemos concluir que pacientes com insuficiência mitral aguda, na maioria dos casos, necessitarão de abordagem cirúrgica de urgência. 

Exame físico: 

  • Sopro sistólico mais audível em foco mitral;
  • No prolapso de valva mitral o sopro é telessistólico e pode surgir após um clique mesossistólico; 
  • B1 pode ser hipofonético;
  • Ictus cordis aumentado e desviado para a esquerda e para baixo; e
  • B2 hiperfonética-em casos de hipertensão pulmonar.  

Dica: os sopros de insuficiência mitral e insuficiência tricúspide são muito semelhantes. Para diferenciarmos esses sopros, podemos realizar a manobra de Rivero-Carvalho que consiste em uma inspiração profunda com consequente aumento do retorno venoso nas câmaras direitas.

Esta manobra aumenta todos os sopros de cavidade direita, pois mais sangue é direcionado ao ventrículo direito, ocorrendo assim uma maior regurgitação tricúspide, aumentando o sopro. 

Exames complementares: 

O raio x de tórax e o eletrocardiograma apresentaram sinais indicativos de  sobrecarga de átrio e ventrículo esquerdo. 

ecocardiograma é essencial, pois avalia gravidade, etiologia, indicação de cirurgia, fração de ejeção e pressão sistólica da artéria pulmonar. 

Tratamento

O grande desafio após o diagnóstico da insuficiência mitral é quando indicar a cirurgia. Logo as principais indicações de abordagem cirúrgica na insuficiência mitral são: 

  • IM aguda importante e sintomática;
  • IM crônica grave primária em paciente sintomático, se fração de ejeção do VE > 30%;
  • IM crônica grave primária em paciente assintomático se fração de ejeção do VE entre 30-60 % e diâmetro sistólico do VE maior ou igual a 40 mm;
  • IM crônica grave primária em assintomáticos, com função do VE preservada e novo episódio de fibrilação atrial nos últimos 6 meses ou hipertensão pulmonar; e 
  • IM secundária de etiologia isquêmica, se o paciente for submetido a cirurgia de revascularização do miocárdio. 

As três principais opções cirúrgicas são: plastia valvar, cirurgia de troca valvar e a clipagem percutânea, sendo a plastia valvar o melhor procedimento cirúrgico, devido a maior durabilidade da intervenção, apesar de ser tecnicamente mais difícil e ter resultados ruins na etiologia reumática. 

Caso a plastia não seja recomendada, a troca valvar está indicada, com o uso de próteses mecânicas ou biológicas. Por fim, a clipagem percutânea é reservada  a pacientes com alto risco cirúrgico ou contraindicações às outras abordagens. 

Estenose Tricúspide

É uma valvulopatia extremamente rara, cuja principal etiologia é a febre reumática. Comumente, se apresenta acompanhada de outras valvulopatias. Os principais sintomas são: fadiga, turgência jugular, hepatomegalia, edema de membros inferiores e refluxo hepatojugular. 

Ao exame físico temos um sopro em ruflar diastólico, com reforço pré-sistólico e B1 hiperfonético e estalido de abertura. 

Insuficiência Tricúspide

Possui a mesma divisão da insuficiência mitral em causas primárias (lesões do aparato  valvar) e secundárias(dilatação do anel ou incompetência dos músculos papilares). Sendo as causas secundárias as mais comuns. 

Exame clínico 

Os principais sintomas são 

Fadiga; 

Dispneia;

Turgência jugular;

Hepatomegalia; 

B3 de ventrículo direito; e 

Hiperfonese de B2, em caso de hipertensão pulmonar, edema de membros inferiores e até anasarca

Ademais, classicamente apresenta onda V gigante no pulso venoso jugular. Na ausculta o sopro é holossistólico, regurgitativo, mais audível em borda esternal baixa, sem irradiação para axilas, com piora a manobra de Rivero-Carvalho. 

Tratamento 

O tratamento é baseado no uso de diuréticos e restrição salina, visando minimizar os sintomas congestivos. O implante de prótese ou plastia estão indicados apenas nos casos de insuficiência tricúspide primária grave, sintomática e refratária ao tratamento clínico. 

Doenças da Valva Pulmonar 

As estenoses pulmonares são raras e na maioria das vezes possuem etiologia congênita. Já a insuficiência pulmonar pode ter causa iatrogênica, por exemplo, ao utilizar um balão para dilatar a valva, endocardite, síndrome carcinóide ou secundária a dilatação da artéria pulmonar em casos de hipertensão pulmonar. Na ausculta, temos um sopro holodiastólico melhor audível em foco pulmonar, que aumenta de intensidade durante a manobra de Rivero-Carvalho. 

OBS: o sopro de Graham Steel, um epônimo muito cobrado em provas de residência, corresponde ao sopro da insuficiência pulmonar secundária a dilatação da artéria pulmonar devido à hipertensão pulmonar. 

O tratamento cirúrgico será feito em caso de insuficiência pulmonar grave e sintomática ou quando houver disfunção de ventrículo direito, através de um implante de prótese valvar. 

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