Num primeiro olhar, a situação da assistência médica no Brasil aparenta ser positiva, já que o país conta com 2,69 médicos por mil habitantes, número próximo aos índices de países como Estados Unidos (2,6) e Canadá (2,7) e superior ao Japão (2,5) e Coreia do Sul (2,5), de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB).
Porém, mesmo com cerca de 545 mil médicos ativos em território brasileiro, segundo dados da Demografia Médica 2023, atualizadas em setembro de 2023, estes tendem a se concentrar, especialmente, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, além do Distrito Federal – que possui 6,13 médicos por mil habitantes. Em contrapartida, essa razão é de 1,33 e 1,17, no Pará e Maranhão, respectivamente, escancarando a desigualdade da distribuição de profissionais.
Para entender melhor este cenário, as estratégias implementadas, bem como os desafios envolvidos no combate à má distribuição médica no Brasil, continue no texto.
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Distribuição médica no território brasileiro
A frase “faltam médicos no Brasil”, embora comum e coerente com a realidade da população brasileira, não está totalmente correta. Para a equidade na porcentagem de habitantes do país e na porcentagem de médicos disponíveis, a razão de médicos para 1.000 habitantes deveria ser de 2,67. Comparado com o índice atual do Brasil (2,69), a taxa foi superada e tende a ser ainda maior até 2035, já que as previsões da Demografia Médica no Brasil apontam, no mínimo, densidade superior a 4,81 médicos por 1.000 habitantes.
Embora o país possua profissionais suficientes para atender a população total, estes estão mal distribuídos pelo território nacional e, atualmente, estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil são os que mais sofrem com a falta de médicos. Confira a distribuição médica no território brasileiro, organizado do estado com a menor razão de médico por 1.000 habitantes para a maior:
Estado | Habitantes | % em relação ao total de habitantes do país | Registros médicos | % em relação ao total de médicos do país | Razão médico por mil habitantes |
---|---|---|---|---|---|
Maranhão | 6.775.152 | 3,34 | 7.960 | 1,33 | 1,17 |
Pará | 8.116.132 | 4,00 | 10.798 | 1,81 | 1,33 |
Amapá | 733.508 | 0,36 | 1064 | 0,18 | 1,45 |
Amazonas | 3.941.175 | 1,94 | 6058 | 1,02 | 1,54 |
Acre | 830.026 | 0,41 | 1.445 | 0,24 | 1,74 |
Roraima | 636.303 | 0,31 | 1.141 | 0,19 | 1,79 |
Bahia | 14.136.417 | 6,96 | 27.836 | 4,66 | 1,97 |
Ceará | 8.791.688 | 4,33 | 18.836 | 3,16 | 2,14 |
Alagoas | 3.127.511 | 1,54 | 6.693 | 1,12 | 2,14 |
Mato Grosso | 3.658.813 | 1,80 | 8.167 | 1,37 | 2,23 |
Rio Grande do Norte | 3.302.406 | 1,63 | 7.624 | 1,28 | 2,31 |
Pernambuco | 9.058.155 | 4,46 | 20.904 | 3,50 | 2,31 |
Piauí | 3.269.200 | 1,61 | 7.662 | 1,28 | 2,34 |
Sergipe | 2.209.558 | 1,09 | 5.388 | 0,90 | 2,44 |
Tocantins | 1.511.459 | 0,74 | 3.869 | 0,65 | 2,56 |
Rondônia | 1.581.016 | 0,78 | 4.227 | 0,71 | 2,67 |
Goiás | 7.055.228 | 3,47 | 19.843 | 3,32 | 2,81 |
Paraíba | 3.974.495 | 1,96 | 11.504 | 1,93 | 2,89 |
Mato Grosso do Sul | 2.756.700 | 1,36 | 8.066 | 1,35 | 2,93 |
Santa Catarina | 7.609.601 | 3,75 | 22.882 | 3,83 | 3,01 |
Paraná | 11.443.208 | 5,64 | 35.150 | 5,89 | 3,07 |
Rio Grande do Sul | 10.880.506 | 5,36 | 35.377 | 5,93 | 3,25 |
Minas Gerais | 20.538.718 | 10,11 | 67.729 | 11,35 | 3,30 |
Espírito Santo | 3.833.486 | 1,89 | 13.285 | 2,23 | 3,47 |
São Paulo | 44.420.459 | 21,88 | 158.719 | 26,60 | 3,57 |
Rio de Janeiro | 16.054.524 | 7,91 | 67.293 | 11,28 | 4,19 |
Distrito Federal | 2.817.068 | 1,39 | 17.276 | 2,89 | 6,13 |
A desigualdade na distribuição dos profissionais pode ser vista ao comparar as porcentagens referentes à quantidade de habitantes do estado e à quantidade de registros médicos ativos. Embora o Maranhão abrigue 3,34% do total da população brasileira, apenas 1,17% do total de médicos em atuação estão presentes no estado. Por outro lado, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal abarcam 31,16% da população total do país, enquanto dispõem de 40,76% do total de médicos disponíveis.
O índice e as porcentagens se mostram ainda piores ao nos aproximarmos de municípios interioranos, sobretudo das regiões Norte e Nordeste. Confira o cenário nas 20 cidades mais vulneráveis do país tendo como parâmetro a relação de médicos para cada 1.000 habitantes:
UF | Município | IVS | População | Médicos | Relação de médicos por mil habitantes |
---|---|---|---|---|---|
MA | Fernando Falcão | 0,784 | 10.873 | 9 | 0,83 |
MA | Amapá do Maranhão | 0,773 | 7.170 | 6 | 0,84 |
PA | Aveiro | 0,769 | 18.290 | 4 | 0,22 |
MA | Humberto de Campos | 0,764 | 25.669 | 26 | 1,01 |
MA | Icatu | 0,759 | 24.794 | 20 | 0,81 |
MA | Santo Amaro do Maranhão | 0,757 | 13.671 | 13 | 0,95 |
AM | Santo Antonio do Içá | 0,745 | 28.211 | 20 | 0,71 |
PA | Prainha | 0,744 | 35.577 | 12 | 0,34 |
AM | Jutaí | 0,743 | 25.172 | 15 | 0,60 |
PA | Viseu | 0,741 | 58.692 | 35 | 0,60 |
MA | Pedro do Rosário | 0,74 | 24.320 | 14 | 0,58 |
MA | Bacuri | 0,733 | 16.290 | 16 | 0,98 |
PA | Afuá | 0,729 | 37.765 | 23 | 0,61 |
MA | Central do Maranhão | 0,729 | 7.094 | 5 | 0,70 |
AM | Fonte Boa | 0,726 | 25.871 | 17 | 0,66 |
AM | Atalaia do Norte | 0,723 | 15.314 | 12 | 0,78 |
MA | Paulino Neves | 0,720 | 17.056 | 18 | 1,06 |
MA | Itaipava do Grajaú | 0,720 | 13.828 | 19 | 1,37 |
MA | São Benedito do Rio Preto | 0,719 | 18.364 | 22 | 1,20 |
MA | Vargem Grande | 0,719 | 43.261 | 45 | 1,04 |
O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) usado no levantamento é um índice composto pela média aritmética de subíndices que caracterizam a situação de vulnerabilidade social de um município. São eles: Infraestrutura Urbana, Capital Humano, Renda e Trabalho.
A escala do IVS varia entre 0 e 1. Os números mais próximos de 0 correspondem à situação ideal ou desejável de um município e, quanto mais perto de 1, pior a situação da cidade no que tange à vulnerabilidade social.
O IVS é responsável pelo embasamento de políticas públicas brasileiras, como o Mais Médicos, que relaciona o IVS dos municípios aos benefícios concedidos aos médicos participantes do programa.
Para efeito de comparação, confira como é a disposição de médicos nas 5 cidades com os IVS mais próximos de 0 no Brasil:
UF | Município | IVS | População | Médicos | Relação de médicos por mil habitantes |
---|---|---|---|---|---|
SC | Luzerna | 0,090 | 5.794 | 38 | 6,56 |
SC | Timbó | 0,099 | 46.099 | 384 | 8,33 |
RS | Nova Araçá | 0,099 | 4.954 | 11 | 2,22 |
RS | Arroio do Meio | 0,102 | 21.963 | 267 | 12,16 |
RS | Westfália | 0,102 | 3.098 | 14 | 4,52 |
Desafios para fixação de profissionais
A desigualdade na distribuição de profissionais é, inclusive, tema de um capítulo inteiro do relatório da Demografia Médica 2023, produzido pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o CFM. Além da organização geográfica, o capítulo pontua a má distribuição de profissionais entre os setores público e privado, entre os diferentes tipos de serviços de saúde e nos níveis de atenção: primária, ambulatorial ou hospitalar.
Desta forma, mesmo que a densidade de profissionais seja considerada ideal em determinada região, outros fatores precisam ser considerados ao analisar o cenário da saúde.
Condições de trabalho desafiadoras
Cidades vulneráveis , muitas vezes, falham na oferta por atendimento médico de qualidade. Isso acontece pois, além de atrair profissionais, os municípios precisam também oferecer infraestrutura e recursos adequados para apoiar a atuação destes. Como é comum a ausência de recursos básicos, de hospitais, clínicas e equipamentos médicos apropriados, os médicos acabam se desencorajando a se estabelecer nessas áreas.
Além disso, mesmo quando conseguem desempenhar as suas funções corretamente, os médicos podem enfrentar condições de trabalho difíceis e estressantes. Áreas vulneráveis e com déficit na oferta de profissionais sobrecarregam os médicos atuantes, que muitas vezes enfrentam altas cargas de trabalho e longas jornadas, afetando negativamente a qualidade de vida e o bem-estar dos profissionais.
Falta de oportunidades profissionais
Geralmente, há menos oportunidades de crescimento profissional e de desenvolvimento de carreira para os médicos em municípios longe dos grandes centros urbanos. A falta de acesso a especializações, treinamentos e pesquisas pode desmotivar a fixação dos médicos nesses locais.
Na tentativa de superar este problema, programas de provimento médico, como o Mais Médicos, têm oferecido incentivos para a formação médica, incentivando a fixação dos participantes nos municípios alocados.
Saiba mais sobre os incentivos em: Novo Mais Médicos é lançado pelo Ministério da Saúde: confira as mudanças
Condições socioeconômicas do local
Certos fatores desestimulantes para a fixação de médicos se relacionam à estrutura do município, já que muitas cidades com alto índice de vulnerabilidade estão localizadas em áreas remotas ou isoladas, com pouca, ou nenhuma infraestrutura de transporte e com acesso aos serviços básicos dificultado.
Ainda, áreas carentes frequentemente enfrentam desafios socioeconômicos, como pobreza, desemprego e violência. Esses fatores podem criar um ambiente instável e inseguro, influenciando a disposição dos médicos em trabalhar nessas áreas.
Diante de todos os desafios citados acima, encontramos os chamados “vazios assistenciais”, “áreas desassistidas” ou “desertos médicos”. Os termos, comuns em estudos no âmbito do provimento médico, definem situações nas quais falta tudo para uma população no que tange à saúde: equipamentos, tecnologias, estruturas (hospitais, postos de saúde, pronto-socorro), equipes multiprofissionais, médicos – especialistas e generalistas – ou há dificuldade de reposição de profissionais.
Em resumo, esses são os principais estopins para as filas do SUS ou para as longas distâncias percorridas pela população em busca do atendimento necessário. O cenário ainda é agravado já que, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), 1.915 municípios brasileiros não possuem serviços médicos privados e dependem exclusivamente do SUS. A quantidade corresponde a 34% do total de municípios, equivalente a cerca de 15,7 milhões de pessoas que dependem do SUS.
Assim, pode-se notar que o trabalho médico, embora essencial, não é singular e não depende apenas do profissional. Marcia Tubone, especialista em Saúde Pública e assessora técnica do Conselho de Secretários Municipais de São Paulo (COSEMS/SP), explica que não há como exigir médicos em regiões carentes, sobretudo na atenção básica, se não existem medidas estruturantes para que eles permaneçam.
Ainda, Tubone esclarece que há necessidade de prover uma equipe de saúde completa para permitir o trabalho do médico: “não é um médico solto, é um médico inserido numa equipe multiprofissional”.
Estratégias implementadas
Visando combater a falta de médicos nas regiões mais deficitárias, aliado ao enfrentamento dos desafios comentados, o Ministério da Educação, Ministério da Saúde e a Secretaria de Atenção Primária à Saúde constantemente adotam estratégias que têm como foco gerar:
- Programas de incentivo financeiro aos médicos e aos municípios;
- Melhorias na infraestrutura de saúde das áreas mais carentes;
- Desenvolvimento de políticas de apoio à formação e fixação de médicos pelo território brasileiro;
- Aprimoramento das condições de trabalho dos médicos;
- Promoção de uma abordagem holística envolvendo a comunidade local e os médicos, criando assim um ambiente de trabalho atraente e sustentável.
Neste cenário, diversos incentivos e programas de provimento médico, emergenciais ou não, já foram criados no Brasil seguindo as propostas mencionadas. Conheça alguns deles:
Programa Mais Médicos
Para amenizar os impactos da disparidade médica no Brasil, em 2013 foi criado o Programa Mais Médicos (PMM), relançado em 20 de março de 2023. O Mais Médicos é um programa de provimento médico cujo objetivo consiste em dar acesso à Atenção Primária à Saúde nas áreas mais vulneráveis. jJá em seu primeiro novo ciclo (28º), o programa ofertou 5.970 vagas em 1.994 municípios brasileiros.
O Mais Médicos tem como foco a Atenção Primária, já que nela há o vínculo do médico com a população e com a equipe multiprofissional, o que gera longitudinalidade e atendimento integral à saúde. Além disso, o Ministério da Saúde já atestou que 85% dos problemas de saúde da população podem ser resolvidos na atenção básica, o que justifica que ela seja colocada como prioridade.
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Interiorização e complementação da formação médica
O governo brasileiro tem buscado expandir as vagas de medicina em instituições de ensino localizadas em cidades do interior. Essa estratégia visa formar médicos com vínculos e identificação com as regiões mais necessitadas, aumentando a probabilidade de sua fixação nessas áreas após a graduação.
Saiba mais sobre a medida: Portaria para autorização de novos cursos de Medicina é divulgada pelo MEC
Outra oportunidade é a criação de residências médicas em áreas necessitadas de profissionais, já que o cenário segue a mesma lógica e tende a gerar vínculos entre o residente e o local de atuação. Estudos apontam que os médicos têm a tendência de permanecer no local onde realizaram sua residência médica, independentemente de serem ou não naturais da localidade.
Conheça as medidas: Ministério lança Plano Nacional de Fortalecimento das Residências em Saúde; Ministério da Saúde publica edital de retomada do Pró-Residência
Outra forma de conectar os estudantes de medicina às áreas vulneráveis é por meio do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Esse programa busca integrar a formação acadêmica dos estudantes de medicina com a realidade do SUS em localidades carentes. Dessa forma, o PET-Saúde permite que os estudantes conheçam a realidade das unidades de saúde dessas regiões, estimulando o interesse e a fixação dos profissionais.
Incentivos financeiros
Em 2011, o Ministério da Saúde lançou, em conjunto com o Ministério da Educação, o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), programa de incentivo financeiro que ofereceu bolsas para médicos que atuassem em áreas carentes. O programa contava com políticas de gratificação e adicional de remuneração para médicos que trabalhavam em regiões remotas e de difícil acesso, além de gerar bônus de 10% nas provas de residência médica.
O PROVAB foi descontinuado em 2017 pelo Ministério da Saúde mas suas propostas principais foram incorporadas ao novo Mais Médicos. Conheça os atuais incentivos financeiros para alocação de profissionais em locais carentes: Mais Médicos 2023: confira as vagas e quais municípios ofertam bonificação
Além do incentivo ao trabalho na Atenção Básica e na Estratégia de Saúde da Família pelos médicos, o programa ainda se categorizava como um curso de especialização em Atenção Básica, ministrado pela Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS).
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