Miastenia gravis: tudo sobre!

Miastenia gravis: tudo sobre!

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O que é Miastenia gravis?

A miastenia gravis é uma doença causada por disfunção do sistema imunológico do indivíduo. Nesse quadro, o corpo sintetiza anticorpos contra antígenos próprios localizados na porção pós-sináptica da junção neuromuscular, mais especificamente, contra os receptores nicotínicos de acetilcolina. O principal resultado do ataque imunológico é a perda funcional e numérica dos receptores, tendo como grande consequência, os sintomas motores.

Quando não tratada, a miastenia gravis se torna uma doença com evolução bastante grave, podendo ser fatal. Ela apresenta padrão de distribuição bimodal, nos homens a maior incidência se dá entre 40 e 60 anos, já nas mulheres, entre 20 e 40 anos. Possui predileção pelo sexo feminino e sua prevalência, nos Estado Unidos, é de 14,2 para cada um milhão habitantes.

É importante notar que muitas das disfunções imunológicas estão relacionadas a anormalidades funcionais do timo. Em quase 70% dos pacientes com miastenia gravis, a hiperplasia tímica está presente e em 10% é possível perceber um timoma. Dessa forma, o timo parece ter importante papel na causa da doença, principalmente pela via MHC tipo ll.

A miastenia gravis possui um fator genético associado, principalmente em pacientes com HLA-B8, HLA-DRw3 e HLA-DQw2. A recorrência familiar não está tão presente, entretanto, pacientes com miastenia gravis, frequentemente, possuem outras doenças imunomediadas, como lúpus, tireoidites, artrite reumatóide e doença de Graves.

Fisiopatologia da miastenia gravis

Para o entendimento da doença, é importante saber a função e atuação da junção neuromuscular (JNM) no processo motor. A JNM realiza um tipo especializado de sinapse que ocorre entre o sistema nervoso periférico e as fibras musculares. Quando o potencial é passado, ocorre despolarização da porção terminal do neurônio pré-sináptico. Após isso, a sinapse química acontece, com a participação de neurotransmissores, despolarizando a porção proximal da membrana muscular que é pós-sináptica. Para que a contração do músculo esquelético aconteça, todos esses passos, que tem como objetivo passar o impulso elétrico, devem acontecer.

O principal neurotransmissor que atua nesse processo é a acetilcolina, molécula largamente sintetizada pelo botão terminal do neurônio pré-sináptico e armazenada em vesículas. Quando o impulso nervoso chega a essa porção do neurônio, os canais de cálcio voltagem-dependentes são ativados, despolarizando o botão terminal e liberando acetilcolina na fenda sináptica, o neurotransmissor será, então, reconhecido pelos receptores específicos situados na membrana pós-sináptica.

Em pacientes com miastenia gravis, os receptores pós-sinápticos de acetilcolina são atacados por autoanticorpos e acabam perdendo sua funcionalidade de receber a informação do impulso elétrico por meio dos neurotransmissores.

Além dos anticorpos específicos, linfócitos T helper, o sistema complemento e células B participam da resposta imune direcionada aos receptores nicotínicos de acetilcolina da porção pós-sináptica da JNM. Com a atuação dessas células, uma importante resposta inflamatória é gerada e pode, inclusive, destruir a porção pós-sináptica da JNM, causando transformações morfológicas e, consequentemente, funcionais da placa motora.

Sintomas

Os principais sintomas da miastenia gravis são:

  • Fraqueza muscular, com característica flutuante. Importante pontuar que esse sintoma está presente na musculatura esquelética; e
  • Fatigabilidade motora, também da musculatura esquelética. Tal sintoma é manifestado por piora da força muscular durante contrações musculares persistentes.

Outros sintomas são possíveis, como a queixa de cansaço físico. Em muitos pacientes a miastenia gravis cursa com manifestações típicas da fraqueza muscular bulbar, que tem como sinais a diplopia, ptose palpebral e oftalmoparesia.

Importante notar que o relato isolado de fadiga é pouco sugestivo da doença e os pacientes costumam apresentar importante flutuação sintomática durante o dia, já que os sinais vão piorando progressivamente. Essa característica de periodicidade diária é relevante para diagnósticos diferenciais como doenças do neurônio motor e miopatias.

A voz pode estar alterada e um teste comum é pedir para o paciente contar até 60 em voz alta, nesse caso, pode ser possível notar a diminuição do volume da voz do paciente conforme os números vão aumentando. A musculatura da face também pode estar com funcionalidade prejudicada e o doente frequentemente não apresenta expressões. Em um quadro mais avançado de fraqueza muscular, pode ser possível notar a dropped head syndrome. 

Alguns pacientes podem apresentar a chamada crise miastênica que pode cursar com sintomas como disartria, disfagia, dispneia, atelectasia podendo, inclusive, evoluir para insuficiência respiratória. 

Menos frequentemente, a miastenia gravis pode cursar com comprometimento do sistema nervoso autonômico, tendo como principais sinais xeroftalmia, visão turva, disfunção erétil, xerostomia e hipotensão postural. 

Diagnóstico

Boa parte do diagnóstico da miastenia gravis consiste na história do paciente e nas manifestações sintomatológicas observadas. Além disso, a confirmação pode ser feita através de testes à beira leito e de pesquisa laboratorial ou pesquisa eletrofisiológica

Dentre os teste à beira leito os mais utilizados são:

  • Teste do gelo: é muito simples e consiste na aplicação de um cubo de gelo por um período de 2 minutos na pálpebra do paciente. O teste é positivo quando a ptose melhora por até 15 minutos após o teste; e
  • Teste farmacológico, feito com drogas que modulam a transmissão neuromuscular dos impulsos nervosos, principalmente os inibidores da colinesterase muscular como neostigmina, piridostigmina e edrofônio. O teste é considerado sugestivo de miastenia gravis quando se observa aumento da força muscular após a administração desses fármacos.

O estudo eletrofisiológico é indicado para pacientes com suspeita de mau funcionamento da JNM. Através da estimulação repetitiva, normalmente com intensidade de 2Hz/s, é possível avaliar distúrbios motores específicos nessa porção do sistema nervoso. Vale ressaltar que essa técnica apresenta diagnósticos diferenciais importantes, como a síndrome de Eaton Lambert e o botulismo.

Alguns testes laboratoriais podem ajudar no diagnóstico da miastenia gravis, o principal deles é a avaliação da presença de anticorpos antirreceptor de acetilcolina. Esse teste é caro e deve ser realizado antes do início do tratamento com imunomoduladores. Vale ressaltar que existem três principais tipos de anticorpos contra o receptor nicotínico de acetilcolina pós-sináptico que podem estar envolvidos na doença, os bloqueadores, os moduladores e os ligantes. Outro anticorpo que pode estar relacionado é o anti-MuSK, cuja detecção sugere o diagnóstico.

A biópsia, antes realizada para pacientes sintomáticos e com exame sorológico negativo, possui baixa relevância atualmente para o diagnóstico da miastenia gravis.

Exames de imagem como ressonância magnética ou tomografia computadorizada podem ajudar na visualização do timoma. 

Classificação da miastenia gravis

Existem diversas formas de classificar a miastenia gravis. Quanto a sintomatologia pode ser dividida em manifestação generalizada, presente em quase 90% dos doentes, ou ocular. Em relação ao perfil sorológico, ela pode ser dividida em positiva ou negativa.

A Força Tarefa da Academia Norte-americana de Miastenia gravis classifica a doença quanto a sua gravidade. Nesse sentido, a doença pode variar de classe l, que apresenta características como fraqueza da musculatura ocular, podendo estar presente fraqueza para fechamento ocular, até a classe V que é definida pela necessidade de intubação para a correta oxigenação do paciente e também a necessidade de tubo para a administração de alimentos.

Tratamentos

O tratamento é variado e podem ser utilizadas diferentes abordagens a depender da necessidade do paciente. As principais formas terapêuticas disponíveis são:

  • Terapia sintomática, com a utilização de anticolinesterásicos que ajudam na condução nervosa na JNM. A principal droga desta classe é o brometo de piridostigmina, 60 mg de 3 a 6 vezes ao dia, com nome comercial de Mestinon. A dose deve ser adequada ao paciente e a administração em excesso pode apresentar efeitos colaterais como diarreia, fasciculações, cãibras e bradicardia;
  • Imunossupressores que atuam na principal causa da miastenia gravis, a resposta imunológica inadequada. A imunomodulação é pouco específica e pode ser feita com antimetabólitos, plasmaférese, corticoides e timectomia. Essa abordagem apresenta bons resultados e o paciente pode até ter uma vida produtiva. A prednisona na posologia de 1 a 2 mg/Kg/dia é a principal escolha e seu uso constante ou em larga escala pode aumentar a suscetibilidade do organismo a neoplasias e infecções;
  • A plasmaférese, que proporciona remoção dos anticorpos causadores da doença e diminui o ataque a JNM, pode ser indicada, principalmente, em quadros agudos de crise miastênica. Com eficiência similar, a administração de imunoglobulina intravenosa, na dose de 400 mg/Kg/dia pode ser utilizada; e
  • Timectomia, que é um tratamento padrão com efeitos a longo prazo.

Outras drogas podem ser utilizadas e apresentam boa resposta e bom resultado a longo prazo, como:

  • Azatioprina, uma inibidora da síntese de purinas, ou seja, inibe a proliferação de linfócitos. A posologia mais indicada é 3 mg/Kg/dia. Pode ser utilizada em associação com corticoides e/ou para diminuir seu uso;
  • Ciclofosfamida, um agente anquilante que age sobre células T e B. A posologia mais indicada é de 1 a 3 mg/Kg/dia. Não é a droga de primeira escolha, sendo mais reservada para pacientes que não responderam bem à administração de outros fármacos;
  • Ciclosporina, não é a droga de primeira escolha, por conta de sua toxicidade e grande quantidade de efeitos colaterais, também pode ser utilizada como poupadora de corticoides. Ela inibe os linfócitos T e é utilizada na dose de 5 a 7 mg/Kg/dia;
  • Metotrexatro; e
  • Micofenolato de mofetila, com relativa especificidade na inibição da proliferação de linfócitos. A dose mais eficaz é de 2 g/dia.

Para casos de insuficiência respiratória desencadeada por crises miastênicas, a intervenção deve ser imediata por conta da gravidade do quadro. Ela é resultado da perda funcional da JNM nos músculos relacionados à respiração. Nessa situação os critérios para intubação orotraqueal são:

  • Capacidade vital menor ou igual a  mL/Kg;
  • Pressão expiratória máxima menor do que 40 cmH2O; e
  • Pressão inspiratória máxima menos do que 20 cmH2O.

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