Olá, querido doutor e doutora! Os acidentes escorpiônicos constituem um relevante desafio para a saúde pública no Brasil, tanto pela frequência crescente de notificações quanto pelo potencial de causar desfechos graves, especialmente em crianças. Esses acidentes, provocados por espécies do gênero Tityus, podem gerar desde dor local intensa até complicações sistêmicas potencialmente fatais, exigindo diagnóstico rápido e tratamento direcionado.
A identificação precoce da gravidade e o início imediato da soroterapia são fatores decisivos para o bom prognóstico.
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Conceito
O acidente escorpiônico, ou escorpionismo, corresponde à picada de escorpião, podendo ocorrer com ou sem injeção de veneno. Quando há envenenamento, as toxinas presentes no veneno interferem nos canais iônicos de sódio e potássio dependentes de voltagem, provocando hiperativação neuronal e desencadeando manifestações que variam desde dor local até alterações sistêmicas graves.
No Brasil, as ocorrências de maior impacto são associadas a espécies do gênero Tityus, especialmente o Tityus serrulatus, cuja ação é mais frequentemente relacionada a casos graves e óbitos, principalmente em crianças menores de 10 anos.
Fisiopatologia do envenenamento
O veneno dos escorpiões do gênero Tityus contém neurotoxinas que se ligam a canais de sódio e potássio dependentes de voltagem, prolongando o potencial de ação nas fibras nervosas. Esse mecanismo leva à liberação maciça de neurotransmissores, como acetilcolina e catecolaminas, nas terminações nervosas dos sistemas simpático, parassimpático e na medula suprarrenal.
O resultado é um desequilíbrio autonômico, com predomínio variável de efeitos colinérgicos (sialorreia, lacrimejamento, sudorese) e adrenérgicos (taquicardia, hipertensão, midríase), além de alterações cardiovasculares e respiratórias.
Nos acidentes causados por espécies amazônicas, como o Tityus obscurus, há um padrão distinto: além da descarga de catecolaminas, ocorrem deficiência no transporte de oxigênio ao cérebro e ação direta das toxinas no sistema nervoso central, o que explica a maior frequência de manifestações neurológicas, como mioclonias, ataxia e sensação de choque elétrico.
Epidemiologia e espécies de interesse médico no Brasil
Os acidentes provocados por escorpiões vêm aumentando de forma contínua no país, tornando-se o tipo de envenenamento por animal peçonhento mais frequentemente registrado. Esse crescimento se intensificou nos últimos anos, impulsionado pela habilidade de algumas espécies em se adaptar ao meio urbano, aproveitando abrigos artificiais e a disponibilidade de presas como baratas. Em certas espécies, a reprodução por partenogênese contribui para uma rápida expansão populacional, mesmo em locais onde não há machos.
O número de ocorrências é mais alto nas regiões Sudeste e Nordeste, mas a tendência de aumento também é observada no Sul e Centro-Oeste. Crianças de até 10 anos apresentam maior risco de evoluir com complicações sistêmicas, enquanto a mortalidade proporcional é discretamente superior entre os homens. Povos indígenas e comunidades isoladas, especialmente na Amazônia, sofrem impacto maior devido às dificuldades de acesso a atendimento rápido e especializado.
No Brasil, o gênero de maior relevância médica é o Tityus, com quatro espécies de destaque:
- Tityus serrulatus (escorpião-amarelo): mais associado a casos graves e óbitos, predominante no Sudeste;
- Tityus bahiensis (escorpião-marrom): presente no Sudeste e Centro-Oeste, mas incomum no Nordeste;
- Tityus stigmurus (escorpião-amarelo do Nordeste): principal espécie envolvida nos casos dessa região;
- Tityus obscurus (escorpião-preto da Amazônia): provoca quadros neurológicos mais pronunciados.
Além dessas, outras espécies como T. confluens, T. mattogrossensis, T. neglectus, T. costatus, T. trivittatus, T. silvestris e T. metuendus também são encontradas no território nacional, com relevância variável conforme a região.
Quadro clínico e classificação de gravidade
As manifestações do escorpionismo costumam surgir rapidamente, geralmente minutos após a picada, e variam de acordo com a quantidade de veneno inoculada, a espécie envolvida, a idade e as condições clínicas da vítima.
Nos casos leves, predomina a dor local intensa, muitas vezes desproporcional ao aspecto do ferimento, que pode vir acompanhada de parestesia, discreto eritema e sudorese localizada. Não há repercussão sistêmica significativa e, em geral, a evolução é favorável.
Nos quadros moderados, além das manifestações locais, surgem sinais de ativação autonômica, como sudorese difusa, náuseas, vômitos ocasionais, taquicardia ou bradicardia, alterações discretas da pressão arterial e agitação.
Nos casos graves, observam-se sintomas persistentes ou intensos: vômitos repetidos, sialorreia abundante, alterações hemodinâmicas importantes (hipotensão ou hipertensão acentuada), taquidispneia, edema agudo de pulmão, insuficiência cardíaca, convulsões e rebaixamento do nível de consciência. Nessas situações, o risco de óbito é elevado, especialmente em crianças pequenas.
Há diferenças regionais no perfil clínico:
- Nas espécies T. serrulatus, T. bahiensis e T. stigmurus, predominam manifestações cardiovasculares, respiratórias, digestivas e neurológicas inespecíficas.
- No T. obscurus e outros amazônicos, as manifestações neurológicas são mais proeminentes, como mioclonias, ataxia de marcha, disartria e sensação de choque elétrico.
Classificação de gravidade utilizada no Brasil
- Leve: dor, eritema, parestesia e sudorese local; sintomas sistêmicos ausentes ou discretos.
- Moderado: quadro local associado a sintomas sistêmicos leves, como sudorese difusa, vômitos esporádicos, alterações discretas de frequência cardíaca ou pressão arterial.
- Grave: sintomas sistêmicos intensos e/ou múltiplos, instabilidade cardiovascular, insuficiência respiratória, manifestações neurológicas graves ou comprometimento do nível de consciência.
Diagnóstico
O diagnóstico do acidente escorpiônico é clínico-epidemiológico, baseado no relato da picada, na identificação (quando possível) do animal e nas manifestações apresentadas pelo paciente. Muitas vezes, a vítima descreve dor súbita e intensa no local da picada, o que já levanta forte suspeita, especialmente em regiões com alta incidência de escorpiões do gênero Tityus.
Na avaliação inicial, devem ser observados:
- Sinais locais: dor, parestesia, eritema, sudorese localizada.
- Sinais sistêmicos: náuseas, vômitos, sudorese generalizada, alterações cardiovasculares, respiratórias e neurológicas.
- Tempo de início dos sintomas: manifestações precoces e progressivas sugerem maior gravidade.
O exame físico deve incluir aferição de pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória, saturação de oxigênio, temperatura e avaliação neurológica.
Não há exame laboratorial capaz de confirmar a presença do veneno, mas testes complementares podem auxiliar no monitoramento e na detecção de complicações, como: hemograma, eletrólitos (com atenção ao potássio), glicemia, amilase, gasometria, marcadores cardíacos (CK-MB, troponina, NT-proBNP) e exames de imagem (radiografia de tórax, ecocardiograma).
Diagnóstico diferencial deve ser considerado quando os sintomas se assemelham a acidentes com outros animais peçonhentos, como a aranha-armadeira (Phoneutria), que pode causar dor intensa e manifestações sistêmicas semelhantes. Nesses casos, a história, a identificação do animal e as características clínicas ajudam a diferenciar, e, na dúvida, pode-se usar o soro antiaracnídico.
Tratamento e prognóstico
Atendimento inicial e primeiros cuidados
Logo após a picada, deve-se lavar o local com água e sabão, evitando o uso de torniquetes, cortes, sucção ou qualquer aplicação caseira. O paciente deve ser encaminhado o mais rápido possível a uma unidade de saúde. Caso seja seguro, a captura do escorpião, em recipiente fechado e transparente, pode auxiliar na identificação da espécie e na definição da conduta, sem atrasar o atendimento.
Controle da dor e suporte clínico
A analgesia é fundamental em todos os casos, sendo escolhida conforme a intensidade da dor. Para dor leve, utiliza-se dipirona oral; para dor moderada, dipirona intravenosa; e para dor intensa, a dipirona IV pode ser associada à infiltração local de lidocaína sem vasoconstritor, repetida no máximo três vezes com intervalo de 40 minutos. Compressas mornas ajudam a reduzir o desconforto. Nos casos de vômitos persistentes, indicam-se antieméticos, e em acidentes por espécies amazônicas, benzodiazepínicos auxiliam no controle de mioclonias. Complicações cardíacas ou respiratórias podem exigir oxigenoterapia, diuréticos e suporte inotrópico.
Soroterapia específica
O uso do soro antiescorpiônico é indicado para casos moderados e graves. Quando não disponível, pode-se recorrer ao soro antiaracnídico. A dose varia de 3 ampolas para quadros moderados a 6 ampolas para os graves, sendo este o limite máximo. A administração é feita por via intravenosa, diluída em solução fisiológica ou glicosada, com monitoramento constante para possíveis reações de hipersensibilidade.
Monitoramento e tempo de observação
Pacientes devem permanecer em observação conforme a gravidade: de 6 a 12 horas nos casos leves e por pelo menos 24 horas nos casos moderados e graves. Durante esse período, é necessário monitorar sinais vitais, saturação de oxigênio e, quando indicado, realizar exames para detecção precoce de complicações.
Prognóstico
Quando o atendimento é rápido e adequado, o prognóstico costuma ser favorável. Casos leves resolvem-se apenas com tratamento sintomático, enquanto os moderados e graves apresentam alta taxa de recuperação com soroterapia precoce. O risco de complicações e óbito é maior em crianças pequenas, idosos e indivíduos com doenças crônicas, o que reforça a necessidade de intervenção imediata.
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Referências Bibliográficas
- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas dos Acidentes Escorpiônicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2025.