Olá, querido doutor e doutora! O Angioedema Hereditário (AEH) é uma condição genética rara, marcada por episódios recorrentes de inchaço que afetam a pele, mucosas e órgãos internos. Seu diagnóstico muitas vezes é adiado devido à semelhança com outras formas de angioedema.
“A ausência de urticária e a ineficácia de anti-histamínicos são pistas clínicas importantes para a diferenciação do AEH”.
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Conceito
O Angioedema Hereditário (AEH) é uma enfermidade de base genética que provoca episódios recorrentes de inchaço em regiões profundas da pele e das mucosas. Esses episódios são desencadeados por uma falha no controle de mediadores inflamatórios, especialmente a bradicinina, uma substância que aumenta a permeabilidade dos vasos sanguíneos. O resultado é o acúmulo de líquido nos tecidos, gerando edemas de forma repentina e muitas vezes sem aviso prévio.
Diferente do angioedema de origem alérgica, o AEH não está associado à presença de urticária nem responde ao uso de anti-histamínicos ou corticoides, o que frequentemente leva a equívocos diagnósticos. A condição se apresenta de forma autossômica dominante, ou seja, um dos pais portadores pode transmitir a mutação genética para os filhos com 50% de chance.
Fisiopatologia
O mecanismo central do Angioedema Hereditário envolve uma desequilíbrio no sistema calicreína-cinina, resultante de alterações na produção ou funcionamento do inibidor de C1 (C1-INH). Esta proteína tem a função de controlar a ativação de diversas vias inflamatórias, incluindo o sistema complemento, a cascata da coagulação e o sistema fibrinolítico. Quando sua ação está comprometida, ocorre uma ativação descontrolada dessas vias.
Essa ativação gera um aumento significativo na produção de bradicinina, um peptídeo que promove a vasodilatação e o aumento da permeabilidade capilar, favorecendo o extravasamento de líquidos para os tecidos. Esse acúmulo de fluido nos espaços intersticiais é o que leva ao desenvolvimento do edema, que se manifesta clinicamente como inchaço localizado.
É importante destacar que, diferente das reações alérgicas mediadas por histamina, o AEH não envolve mastócitos nem imunoglobulina E, e por isso não apresenta prurido ou urticária. Esse ponto é essencial para diferenciar o AEH de outras causas de angioedema, especialmente no atendimento de emergência, onde o uso inadequado de antialérgicos pode atrasar o tratamento eficaz.
Epidemiologia e fatores de risco
O Angioedema Hereditário (AEH) é considerado uma condição rara, com estimativa de prevalência de 1 caso a cada 50.000 indivíduos, afetando igualmente homens e mulheres. A maioria dos pacientes apresenta os primeiros sintomas antes dos 20 anos de idade, com início mais precoce frequentemente relacionado a quadros mais intensos e frequentes ao longo da vida.
Embora a principal via de transmissão seja hereditária, com padrão autossômico dominante, cerca de 25% dos casos decorrem de mutações de novo, ou seja, em indivíduos sem histórico familiar da doença. Por isso, o fator genético é relevante, mas não exclusivo, e o rastreamento familiar torna-se imprescindível, mesmo em situações isoladas.
Entre os fatores que podem precipitar ou agravar as crises, destacam-se:
- Traumas físicos (inclusive procedimentos odontológicos ou cirúrgicos);
- Estresse emocional intenso;
- Alterações hormonais, como menstruação, gravidez e uso de estrogênios;
- Infecções ou inflamações;
- Uso de medicamentos, especialmente inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) e gliptinas.
Avaliação clínica
O Angioedema Hereditário se manifesta por episódios repetidos de inchaço localizado e não pruriginoso, que podem surgir em diferentes regiões do corpo. As áreas mais frequentemente afetadas incluem face, extremidades, trato gastrointestinal, genitália e vias aéreas superiores. As crises evoluem de forma lenta, podendo durar de 2 a 6 dias, com início gradual e resolução espontânea, mesmo sem tratamento.
Quando o edema acomete a pele, o paciente pode notar formigamento e deformidade facial, além de inchaço em mãos e pés que limitam movimentos e atividades rotineiras. Em cerca de metade dos casos, há envolvimento do trato gastrointestinal, resultando em dor abdominal intensa, náuseas, vômitos, diarreia e, em casos graves, sintomas que mimetizam abdome agudo cirúrgico, levando muitas vezes a procedimentos desnecessários.
O acometimento da laringe representa a manifestação mais temida, por seu risco de evolução para obstrução respiratória e asfixia. Sinais como rouquidão, desconforto para engolir, sensação de aperto na garganta e edema de língua devem ser prontamente reconhecidos como sinais de alarme.
Antes do edema propriamente dito, alguns pacientes relatam um sinal de alerta cutâneo conhecido como eritema marginado, que aparece como uma vermelhidão de bordas sinuosas e centro claro, geralmente assintomática.
Diferente de quadros alérgicos, as crises de AEH não causam urticária, coceira ou rubor difuso, e não melhoram com anti-histamínicos, corticoides ou adrenalina, sendo essa uma pista clínica importante para suspeita diagnóstica.
Diagnóstico
O diagnóstico do AEH exige uma combinação de avaliação clínica detalhada e exames laboratoriais específicos. A investigação inicia-se geralmente pela dosagem do C4 sérico, uma proteína do sistema complemento que tende a permanecer persistentemente baixa mesmo fora das crises. Esse exame funciona como um marcador de triagem inicial.
Se o C4 estiver reduzido, o próximo passo é a avaliação do inibidor de C1 (C1-INH):
- No tipo I, há redução quantitativa do C1-INH.
- No tipo II, os níveis de C1-INH estão normais ou elevados, mas com função diminuída.
Quando os resultados dos exames tradicionais (C4, quantidade e função do C1-INH) são todos normais, mas a suspeita clínica permanece elevada, deve-se considerar o AEH com C1-INH normal, especialmente em pacientes do sexo feminino. Nesses casos, o diagnóstico requer teste genético, buscando mutações em genes como F12, ANGPT1, PLG ou KNG1.
É importante ressaltar que o diagnóstico não depende da presença de história familiar positiva, pois cerca de um quarto dos casos ocorre por mutações espontâneas. Além disso, em crianças com pais portadores, os exames laboratoriais devem ser interpretados com cautela no primeiro ano de vida, sendo recomendada a repetição após os 12 meses para confirmação.
Tratamento
O tratamento do Angioedema Hereditário é dividido em três abordagens principais: controle das crises agudas, profilaxia de curto prazo e profilaxia de longo prazo. A escolha terapêutica depende da gravidade dos episódios, da frequência das crises e das particularidades clínicas de cada paciente.
Tratamento das crises
Durante uma crise, o objetivo é conter rapidamente o edema e evitar complicações, especialmente quando há envolvimento de vias aéreas ou trato gastrointestinal. Os medicamentos disponíveis incluem:
- Icatibanto: antagonista do receptor da bradicinina, administrado por via subcutânea. Pode ser aplicado pelo próprio paciente, sendo eficaz na maioria dos casos com uma única dose.
- Concentrado de inibidor de C1 esterase humano: repõe diretamente a proteína ausente ou disfuncional. É administrado por via intravenosa, com doses ajustadas ao peso corporal.
- Plasma fresco congelado: usado apenas na ausência das medicações anteriores, devido ao risco potencial de piora da crise e reações transfusionais.
Antihistamínicos, corticoides e adrenalina não são eficazes, pois o mecanismo do AEH é bradicinina-mediado e não envolve histamina.
Profilaxia de longo prazo
Indica-se em pacientes com crises frequentes, sintomas graves ou limitação na qualidade de vida. No Brasil, as opções aprovadas incluem:
- Danazol (andrógeno atenuado): aumenta a produção hepática de C1-INH. Requer monitoramento regular devido aos potenciais efeitos adversos, como alterações hepáticas, ganho de peso e sinais virilizantes.
- Ácido tranexâmico: antifibrinolítico com uso mais seguro, especialmente em crianças, mas com eficácia variável.
- C1-INH subcutâneo e lanadelumabe (inibidor de calicreína)**: são utilizados em outros países, com bom perfil de segurança e eficácia, mas ainda têm acesso restrito no Brasil.
Profilaxia de curto prazo
Recomendada antes de procedimentos que envolvam manipulação de vias aéreas ou mucosas (como cirurgias, endoscopias ou extrações dentárias). Pode ser feita com:
- C1-INH intravenoso, aplicado cerca de 1 hora antes do procedimento;
- Plasma fresco congelado, quando o C1-INH não está disponível;
- Danazol, iniciado 5 dias antes e mantido por até 3 dias após a intervenção.
Prognóstico
O prognóstico do Angioedema Hereditário é geralmente favorável quando o diagnóstico é realizado precocemente e o paciente tem acesso ao tratamento adequado. Com o uso correto das terapias específicas e medidas de prevenção, é possível controlar as crises e evitar complicações graves, como a obstrução das vias aéreas. A qualidade de vida tende a melhorar significativamente com acompanhamento contínuo, educação do paciente e adesão ao plano terapêutico.
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Referências Bibliográficas
- VALLE, Solange Oliveira Rodrigues et al. Doutor, eu tenho Angioedema Hereditário. Grupo de Estudos Brasileiro em Angioedema Hereditário – GEBRAEH.
- ABDULKARIM, Ali; CRAIG, Timothy J. Hereditary Angioedema. In: STATPEARLS [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.