Olá, querido doutor e doutora! A hipospádia é uma das malformações congênitas mais frequentes da genitália masculina, com impacto que pode se estender da infância até a vida adulta. O diagnóstico precoce e o encaminhamento adequado são fundamentais para garantir um desfecho funcional e estético satisfatório.
A uretra se forma de maneira anormal entre a 8ª e a 14ª semana de gestação.
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Conceito
A hipospádia é uma anomalia congênita da genitália externa masculina caracterizada pela posição anormal do meato uretral, que se encontra deslocado da extremidade da glande para a face ventral do pênis, podendo localizar-se em pontos variáveis ao longo do corpo peniano, escroto ou períneo. Essa condição resulta de uma falha no fechamento completo da uretra durante a embriogênese, frequentemente associada a alterações no desenvolvimento do prepúcio ventral e, em muitos casos, à curvatura ventral peniana (chordee).
Embora possa apresentar-se de forma isolada, a hipospádia pode coexistir com outras malformações do trato urogenital, especialmente nas formas proximais. Além das alterações anatômicas, comprometimentos funcionais — como distúrbios miccionais e dificuldades sexuais futuras — são possíveis se não houver correção adequada.
Embriologia e fisiopatologia
O desenvolvimento da genitália externa masculina ocorre em duas fases distintas durante a gestação. A primeira, hormônio-independente, acontece entre a 5ª e 8ª semanas, sendo responsável pela formação inicial do tubérculo genital, que posteriormente dará origem ao pênis. Nessa fase, as pregas cloacais se fundem anteriormente para formar o tubérculo genital, enquanto posteriormente se diferenciam nas pregas uretrais e anais.
A segunda fase, dependente da ação androgênica, é iniciada pela diferenciação gonadal em testículos, o que estimula a produção de testosterona. Esse hormônio é convertido em di-hidrotestosterona (DHT), responsável por promover o alongamento do tubérculo genital, a formação do sulco uretral e a fusão das pregas uretrais para formar a uretra peniana. Simultaneamente, ocorre o fechamento da pele ventral que envolve o pênis e a formação da rafe mediana.
A hipospádia resulta de uma interrupção nesse processo de fusão uretral, levando à formação incompleta do canal uretral e ao posicionamento anômalo do meato em regiões ventrais. Esse defeito pode ser agravado por alterações na ação ou produção de andrógenos, anomalias nos receptores hormonais ou interferência de fatores ambientais com atividade estrogênica, como disruptores endócrinos presentes em pesticidas ou plásticos.
Além da má posição do meato, a curvatura peniana ventral (chordee) frequentemente coexiste, decorrente da assimetria nos tecidos do corpo peniano e da tração gerada por fáscias anormais. A presença de prepúcio incompleto na face ventral é outro achado típico, reflexo da interrupção no desenvolvimento normal da cobertura prepucial.
Classificação
A hipospádia é classificada conforme a localização do meato uretral ectópico, o que reflete tanto a gravidade da malformação quanto as possíveis repercussões funcionais e a complexidade cirúrgica envolvida. Essa classificação é importante para o planejamento terapêutico e para a investigação de possíveis anomalias associadas.
As principais categorias são:
- Anterior (Distal): inclui os casos em que o meato se encontra na região glandular ou subcoronal. É a forma mais frequente, representando cerca de 60% a 70% dos casos. Geralmente não há comprometimento urinário ou reprodutivo significativo.
- Média (Peniana): corresponde àqueles com abertura ao longo do eixo do pênis (distal, médio ou proximal da haste peniana). Esses casos apresentam maior chance de curvatura peniana e podem exigir procedimentos reconstrutivos mais elaborados.
- Posterior (Grave): inclui os casos penoescrotais, escrotais e perineais. São menos comuns, mas frequentemente estão associados a outras anomalias geniturinárias, como criptorquidia, hérnias inguinais e malformações renais. Em muitos desses casos, há indicação de investigação genética para descartar distúrbios do desenvolvimento sexual.
Epidemiologia
A hipospádia é uma das malformações congênitas mais comuns da genitália masculina. Trata-se da anormalidade peniana congênita mais frequente e da segunda alteração urogenital mais prevalente em meninos, atrás apenas da criptorquidia.
Estudos indicam que a prevalência nos Estados Unidos varia entre 1 a cada 150 a 250 nascidos vivos do sexo masculino, o que representa uma taxa aproximada de 0,4% a 0,7%. Dados de outros países, como Dinamarca e regiões da América do Sul, mostram prevalências que oscilam entre 0,5% e 0,8%, embora estimativas globais indiquem taxas de até 11 casos por 10.000 nascidos vivos.
A maioria dos casos envolve formas distais ou subcoronais, com menor complexidade cirúrgica. As formas proximais são mais raras, porém frequentemente associadas a outras anomalias do trato geniturinário ou a síndromes genéticas.
Nos últimos anos, observou-se um aumento no número de diagnósticos, o que pode estar relacionado à melhoria nos registros de nascimentos, maior conscientização médica e possível influência de fatores ambientais hormonais que afetam o desenvolvimento fetal.
Avaliação clínica
As manifestações da hipospádia são geralmente identificadas ao nascimento, durante o exame físico do recém-nascido. Os sinais clínicos variam conforme o tipo e a gravidade da malformação, mas alguns achados são bastante característicos:
- Meato uretral em posição anormal, situado na face ventral do pênis, podendo estar na glande (formas leves), no eixo peniano ou até no períneo (formas graves).
- Prepúcio assimétrico ou ausente na porção ventral, formando um aspecto de “capuz” dorsal, bastante sugestivo do diagnóstico.
- Curvatura peniana ventral (chordee), especialmente evidente nas formas penianas médias ou proximais. Essa curvatura pode ser notada durante manipulações ou ereções espontâneas.
- Desvio do jato urinário, que pode apresentar angulação para baixo ou lateral, dificultando a micção em pé. Nas formas mais graves, a criança pode precisar urinar sentada.
- Alterações associadas, como criptorquidia unilateral ou bilateral e hérnias inguinais, especialmente nas hipospádias proximais.
- Em pacientes não diagnosticados no período neonatal, que só apresentam sintomas mais tarde, podem ocorrer queixas funcionais urinárias, dor em ereções, dificuldades na relação sexual e insatisfação estética com os genitais, afetando autoestima e vida sexual.
Em casos raros, o meato pode estar em posição relativamente normal, e a hipospádia só se torna evidente após uma circuncisão inadvertida, quando a ausência de prepúcio ventral é notada. Por isso, a circuncisão deve ser evitada em recém-nascidos com suspeita de hipospádia, para preservar tecido prepucial necessário à reconstrução cirúrgica.
Diagnóstico
O diagnóstico da hipospádia é predominantemente clínico, baseado no exame físico cuidadoso do recém-nascido. A identificação precoce é importante para evitar procedimentos inadequados, como a circuncisão, e para garantir o encaminhamento oportuno ao urologista pediátrico.
Achados clínicos sugestivos incluem:
- Meato uretral deslocado para a face ventral do pênis;
- Pré-púcio incompleto ou em capuz;
- Curvatura peniana;
- Alterações associadas como testículos não palpáveis ou assimétricos.
Nos casos típicos e isolados, o diagnóstico se encerra na avaliação clínica. Entretanto, formas proximais (penoescrotais, escrotais ou perineais) associadas à criptorquidia ou ambiguidade genital exigem investigação complementar para excluir distúrbios do desenvolvimento sexual.
Avaliações adicionais indicadas em casos complexos incluem:
- Cariótipo, para avaliar a constituição genética, especialmente se houver criptorquidia bilateral ou genitália ambígua.
- Ultrassonografia abdominal e pélvica, com foco na identificação de testículos intra-abdominais, útero ou malformações renais.
- Avaliação endocrinológica, nos casos com suspeita de disfunção hormonal.
Em situações de dúvida, o exame deve ser feito por equipe experiente antes de qualquer intervenção cirúrgica. É recomendável que o diagnóstico seja seguido de encaminhamento precoce ao especialista, idealmente nas primeiras semanas de vida.
Tratamento e prognóstico
O tratamento da hipospádia é cirúrgico, com o objetivo de restaurar a função urinária e sexual, além de oferecer um resultado estético satisfatório. A intervenção busca reconstruir a uretra, recentralizar o meato uretral, corrigir a curvatura peniana e preservar a simetria peniana, proporcionando um pênis funcional e com aparência típica.
Momento ideal para a cirurgia
A recomendação atual é que o reparo seja realizado entre 6 e 18 meses de idade, período que oferece menor risco anestésico e menor impacto psicológico. Procedimentos realizados após essa faixa etária estão associados a maiores taxas de complicações, como fístulas e estenoses.
Técnicas cirúrgicas
A escolha do método cirúrgico depende da localização do meato, da presença de curvatura peniana e da quantidade de tecido disponível para reconstrução. Nos casos distais, é comum a realização de uretroplastia em tempo único. Já nas formas proximais ou com chordee significativo, pode ser necessário um reparo em duas etapas:
- Primeira fase: correção da curvatura e preparação da uretra,
- Segunda fase: tabularização da placa uretral ou enxerto para formação do novo canal.
Em algumas situações, pode ser indicada a administração de testosterona tópica ou sistêmica antes da cirurgia, com o intuito de aumentar o tamanho peniano e facilitar a reconstrução, embora não haja consenso sobre sua aplicação de rotina.
Importância da preservação do prepúcio
O prepúcio frequentemente é utilizado como enxerto durante o reparo. Por isso, a circuncisão deve ser evitada em pacientes com diagnóstico ou suspeita de hipospádia, para que esse tecido esteja disponível para uso intraoperatório.
Prognóstico
O prognóstico da hipospádia tem evoluído positivamente nas últimas décadas, graças ao refinamento das técnicas cirúrgicas e à realização precoce das intervenções. A maioria dos pacientes alcança bons resultados funcionais e estéticos, especialmente quando tratados antes dos 18 meses de vida. No entanto, em alguns casos, podem persistir fístulas, estenose meatal, curvatura residual ou insatisfação com a aparência genital, exigindo reoperações ou acompanhamento psicológico. O seguimento na adolescência e após a puberdade é recomendado para avaliar o desenvolvimento genital e abordar possíveis repercussões na vida sexual e na autoestima.
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Referências Bibliográficas
- CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Hipospádia – Defeitos Congênitos.
DONAIRE, Álvaro E.; MÉNDEZ, Magda D. Hypospadias. In: STATPEARLS. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.