E aí, doc! Vamos ver um caso clínico? O tema de hoje é AVC Hemorrágico, uma emergência grave que pode ser encontrada no dia a dia em algum plantão.
O Estratégia MED está aqui para te ajudar a melhorar seus conhecimentos e aprimorar suas habilidades profissionais. Tudo bem? Vamos começar!
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Identificação
VMB, 62 anos, sexo masculino, segurança noturno (aposentado), natural de Manaus – AM.
História da Moléstia Atual (HMA)
O paciente estava em casa quando percebeu uma dormência progressiva no braço esquerdo, que rapidamente evoluiu para uma dificuldade pronunciada em levantar o membro superior afetado. Concomitantemente, surgiram alterações na mobilidade do rosto do lado esquerdo, manifestando-se como uma expressão facial assimétrica. Esses sintomas surgiram subitamente há aproximadamente uma hora antes da busca por atendimento médico.
Antecedentes Patológicos
Paciente possui Hipertensão arterial sistêmica,
Exame Físico
PA: 200×105 mmHg FC: 89 bpm FR: 16ipm HGT: 175mg/dl
Cardíaco: Bulhas arrítmicas normofonéticas em 2 tempos e sem sopros;
Respiratório: MV (+) simétrico e sem ruídos adventícios;
Abdome: plano, normotenso, RHA (+), sem visceromegalias;
Membros: sem edemas ou sinais de artrite;
Periférico: pulsos ++/4+ nos 4 membros, carótidas ++/4+ e sem sopros.
Exame Neurológico
Consciência e linguagem: lúcido, não falava de maneira tão clara, compreensão preservada;
Motricidade: FM grau 5 MSD, grau 3 MSE. Grau 5 MID/ 4 MIE, com paresia dos 2/3 inf. hemiface esq., reflexos grau 2 esq e 4 dir (B/T/ER/P/Aq), Cutâneo Plantar em flexão esq. e extensão direita;
Sensibilidade sup. reduzida em membro superior esquerdo. Sensibilidade sup. e profunda preservadas em membros inferiores;
Manobras cerebelares normais;
Sinais meníngeos ausentes.
Exames de Imagem
Resultado: Presença de hemorragia intraparenquimatosa no lado esquerdo.
Hipóteses diagnósticas
Crise Convulsiva Focal: considerando a paresia facial, alterações motoras específicas e a presença de reflexos assimétricos, uma crise convulsiva focal também poderia ser considerada. No entanto, a duração prolongada dos sintomas e a ausência de atividade convulsiva visível durante o exame físico tornam o AVC isquêmico uma explicação mais provável.
Enxaqueca Hemiplégica: embora menos comum, a enxaqueca hemiplégica pode apresentar sintomas semelhantes, como dormência, fraqueza e desvio ocular. No entanto, a ausência de histórico prévio de enxaquecas significativas e a rápida instalação dos sintomas tornam essa hipótese menos provável em comparação com um AVC isquêmico.
Definição de Acidente Vascular Cerebral (AVC) Hemorrágico
A Hemorragia intracerebral (ICH) é a segunda causa mais comum de acidente vascular cerebral (AVC) após o AVC isquêmico e representa uma significativa causa de morbidade e mortalidade. A ICH pode ser categorizada como espontânea ou traumática, sendo que a ICH após lesão cerebral traumática é revisada separadamente.
A lesão mecânica primária ao parênquima cerebral ocorre através da expansão do hematoma e edema perilesional. Tanto o volume do hematoma quanto o edema contribuem para o efeito de massa e aumento da pressão intracraniana (PIC), que, por sua vez, pode causar redução da perfusão cerebral e lesão isquêmica, e, em casos de ICH muito grandes, herniação cerebral.
A região perihematoma apresenta perfusão retardada e aumento da difusividade misturada com áreas de redução da difusão, sugerindo a presença de edema vasogênico e citotóxico (isquêmico). Mudanças agudas na pressão arterial com comprometimento da autorregulação cerebral em pacientes com ICH podem contribuir para a isquemia perihematoma.
O aumento da pressão intracraniana e a redução resultante da pressão de perfusão cerebral podem desempenhar um papel, e esse fenômeno pode ser exacerbado pela redução da pressão arterial.
Principais etiologias do AVC Hemorrágico
- Vasculopatia hipertensiva: é uma causa comum de ICH, resultando de hemorragias em artérias penetrantes afetadas pela hipertensão. Esses pequenos vasos, expostos diretamente à pressão da artéria principal, desenvolvem pseudoaneurismas devido à hiperplasia intimal.
- Angiopatia amolóide cerecral (CAA): angiopatia amiloide cerebral (CAA) é uma causa importante em adultos mais velhos, caracterizada pela deposição de material amiloide em pequenos vasos, tornando-os propensos a sangrar. O CAA geralmente leva a hemorragias lobares espontâneas.
- Malformações Arteriovenosas (MAVs) e Malformações Cavernosas (MCs): as MAVs são caracterizadas por conexões de alta pressão arterial ao sistema venoso, sem capilares intermediários. A ruptura, geralmente de aneurismas intranidais, pode causar hemorragia, sendo mais comum em regiões lobares, intraventriculares ou subaracnoides. Já as MCs — malformações de fluxo lento, têm ruptura menos frequente, ocorrendo comumente no tronco cerebral, juxtacortical ou no espaço intraventricular.
- Trombose Venosa Cerebral: a obstrução de veias cerebrais resulta em aumento da pressão venosa, levando à ruptura venosa ou capilar com hemorragia.
- Infarto Hemorrágico: durante o infarto isquêmico, a quebra da unidade neurovascular resulta na morte tecidual e extravasação sanguínea, visível como infarto hemorrágico.
- Síndrome de Vasoconstrição Cerebral Reversível (RCVS): o estreitamento arterial cerebral transitório visto com RCVS pode estar associado a insultos cerebrais, incluindo ICH, por hemorragia subaracnóidea.
- Tumor Primário ou Metastático: tumores cerebrais, como gliomas de alto grau ou tumores metastáticos, podem causar hemorragia intratumoral, frequentemente associada a edema circundante.
- Infecção do Sistema Nervoso Central: infecções bacterianas podem causar abscesso cerebral, levando a ICH por efeito de massa ou erosão vascular. Infecções virais, como encefalite por herpes simples, podem resultar em necrose hemorrágica do tecido cerebral.
- Aneurisma Intracraniano Micótico: em decorrência de embolias cerebrais de endocardite infecciosa, pode ocorrer a formação de aneurismas micóticos que, ao infectar a parede arterial, aumentam o risco de ruptura e causam ICH intraparenquimatosa ou subaracnóidea.
- Doença de Moyamoya: na doença de Moyamoya, o estreitamento progressivo das artérias e formação de vasos colaterais pode levar a ICH.
- Vasculite Cerebral: anormalidades na ressonância magnética cerebral, como hiperintensidades em T2, infartos isquêmicos e hemorragia, são observadas em vasculites primárias ou sistêmicas.
- Síndrome de Hiperperfusão Cerebral: após revascularização carotídea, pode ocorrer edema cerebral e hemorragia devido à adaptação inadequada do tecido ao aumento da pressão de perfusão cerebral, especialmente na primeira semana pós-procedimento.
- Doença Falciforme: a DF apresenta espessamento arterial, fragilidade e comprometimento da autorregulação cerebrovascular, aumentando o risco de ICH.
- Distúrbios Hemorrágicos: sendo adquiridos ou genéticos, e condições que prejudicam a hemostase, são fatores de risco para ICH.
Diagnóstico de AVC Hemorrágico
A suspeita clínica de hemorragia intracerebral (ICH) é baseada em sinais como início súbito de sintomas que se agravam progressivamente, especialmente quando acompanhados por intensa dor de cabeça, vômitos, hipertensão severa e alterações no nível de consciência ou coma. No entanto, diferenciar entre hemorragia cerebral e isquemia não pode depender apenas das características clínicas.
Para confirmar o diagnóstico de ICH e descartar um acidente vascular cerebral isquêmico ou outras condições que imitam um acidente vascular cerebral, é essencial realizar neuroimagem, como tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM).
A tomografia é a que é feita inicialmente sempre!
A RM com contraste é a preferida para identificar possíveis causas subjacentes da ICH. A TC cerebral com contraste é uma opção alternativa, embora menos sensível, para pacientes que não podem realizar a RM. Exames de imagem vascular, como angiografia por TC ou RM, ou angiografia por subtração digital, são realizados quando há suspeita de lesão vascular subjacente.
A avaliação laboratorial de rotina para investigar causas subjacentes ou riscos associados em pacientes com ICH inclui:
- Hemograma completo, eletrólitos, ureia, creatinina e glicose;
- Tempo de protrombina (com razão internacional normalizada [INR]) e tempo de tromboplastina parcial ativada para todos os pacientes; tempo de coagulação com trombina para pacientes que usam anticoagulantes orais diretos;
- Troponina cardíaca específica;
- Triagem toxicológica para detectar cocaína e outras drogas simpaticomiméticas;
- Urinálise;
- Teste de gravidez em mulheres em idade fértil; e
- Um eletrocardiograma (ECG) obtido no início pode ajudar a identificar pacientes com ICH e disfunção cardíaca concomitante.
Tratamento de AVC Hemorrágico
O tratamento do AVC hemorrágico é clínico, com algumas indicações cirúrgicas. As medidas a serem tomadas são suporte intensivo (circulatório e ventilatório) adequado do ABCD de qualquer emergência, controle da PA, medidas gerais de redução da pressão intracraniana (PIC) e anticonvulsivantes, se houver crise epiléptica. A conduta quanto à PA deve ser tomada baseado no valor.
Para pacientes com uma pressão arterial sistólica (PAS) entre 150 e 220 mmHg, é recomendado reduzir a PAS para cerca de 140 mmHg, preferencialmente durante a primeira hora após a apresentação, desde que o paciente permaneça clinicamente estável.
No caso de pacientes que apresentam uma PAS acima de 220 mmHg, sugerimos uma redução rápida para menos de 220 mmHg. Após essa redução inicial, a pressão arterial deve ser diminuída gradualmente ao longo de algumas horas, visando uma faixa de 140 a 160 mmHg, desde que o paciente permaneça clinicamente estável.
Se houver piora clínica durante esse período, pode ser necessário ajustar a terapia anti-hipertensiva de forma mais intensiva. Embora o objetivo ideal de pressão arterial não seja totalmente claro, manter a PAS entre 140 e 160 mmHg é uma meta considerada razoável para pacientes que se mantêm clinicamente estáveis.
A redução da pressão arterial sistólica para valores abaixo de 130 mmHg nas primeiras horas após o início da ICH não demonstrou benefícios claros na redução da mortalidade ou incapacidade, podendo aumentar o risco de eventos adversos, como hipoperfusão cerebral e lesão renal.
Para indivíduos que apresentam uma pressão arterial sistólica (PAS) inicial de 160 mmHg ou mais elevada, nossa preferência é iniciar o tratamento com nicardipina. Essa escolha é atribuída à sua rápida ação e à capacidade de titulação rápida. A pressão arterial é monitorada de perto a cada cinco minutos, e os pacientes passam por avaliações horárias para detectar qualquer sinal de deterioração neurológica.
Por outro lado, para aqueles com uma PAS inicial abaixo de 160 mmHg, optamos por iniciar o tratamento com labetalol. Essa decisão é influenciada pela facilidade de administração e pela duração prolongada do efeito associado ao labetalol.
Em alguns casos de AVC hemorrágico dentro do tecido cerebral, pode ser necessário realizar intervenção cirúrgica devido à evolução para uma síndrome de hipertensão intracraniana. As indicações para cirurgia incluem:
- Volume do hematoma situado entre 20-50 mL.
- Pontuação na Escala de Coma de Glasgow entre 9-12.
- Idade do paciente variando entre 50-69 anos.
- Hematoma localizado em região lobar, sem afetar as cavidades ventriculares (lesões mais profundas são difíceis de acessar sem causar danos significativos ao tecido neural).
- No caso de hemorragia cerebelar:
- Hematoma cerebelar superior a 3 cm.
- Diminuição do nível de consciência.
- Compressão do tronco cerebral ou presença de hidrocefalia obstrutiva.
- Para hemorragia supratentorial:
- Cirurgia deve ser realizada dentro de até 8 horas do início dos sintomas.
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Referências
Guy Rordorf, MD, Colin McDonald, MD. Spontaneous intracerebral hemorrhage: Pathogenesis, clinical features, and diagnosis. UpToDaTe, 2023. Disponível em: UpTo Date
Guy Rordorf, MD, Colin McDonald, MD. Spontaneous intracerebral hemorrhage: Acute treatment and prognosis. UpToDaTe, 2023. Disponível em: UpTo Date