Olá, querido doutor e doutora! O truncus arteriosus representa uma das malformações cardíacas congênitas mais raras e desafiadoras, caracterizada pela presença de um único vaso arterial que emerge do coração e irriga simultaneamente os pulmões, o corpo e o miocárdio. Essa anomalia leva à mistura de sangue oxigenado e não oxigenado, causando hipoxemia, cianose e insuficiência cardíaca precoce.
Sem correção cirúrgica, a maioria dos lactentes com truncus arteriosus evolui para insuficiência cardíaca grave e óbito ainda nos primeiros meses de vida.
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O que é Truncus Arteriosus
O truncus arteriosus é uma cardiopatia congênita cianótica rara, caracterizada pela presença de um único grande vaso arterial que emerge do coração e dá origem simultaneamente à aorta e às artérias pulmonares. Nessa malformação, há também um defeito do septo interventricular (CIV) que permite a mistura de sangue venoso e arterial, resultando em oxigenação inadequada e cianose logo nos primeiros dias de vida.
Classificação morfológica
A classificação do truncus arteriosus busca descrever como as artérias pulmonares se originam do tronco arterial comum, o que auxilia no planejamento cirúrgico e na previsão de possíveis complicações. As duas classificações mais utilizadas são as de Collett e Edwards e a de Van Praagh, ambas amplamente reconhecidas na prática cardiológica.
Classificação de Collett e Edwards (1949)
Baseia-se na origem das artérias pulmonares a partir do tronco comum e descreve quatro tipos:
- Tipo I: um tronco pulmonar único se origina do tronco arterial e, em seguida, se divide nas artérias pulmonares direita e esquerda.
- Tipo II: as artérias pulmonares direita e esquerda emergem separadamente, porém muito próximas, da porção posterior do tronco.
- Tipo III: as artérias pulmonares nascem separadamente e em posições mais laterais do tronco comum.
- Tipo IV: ambas as artérias pulmonares se originam da aorta descendente, condição que atualmente é reclassificada como atresia pulmonar com CIV, e não mais considerada truncus arteriosus verdadeiro.
Classificação de Van Praagh (1965)
Essa proposta amplia o conceito ao incluir alterações da aorta e anormalidades associadas, dividindo o truncus em quatro subtipos:
- Tipo A1: semelhante ao tipo I de Collett e Edwards, com tronco pulmonar único surgindo do tronco comum.
- Tipo A2: as artérias pulmonares direita e esquerda têm origens separadas diretamente do tronco, sem tronco pulmonar comum.
- Tipo A3: há atresia de uma das artérias pulmonares, e o pulmão afetado recebe sangue por colaterais sistêmicas vindas da aorta.
- Tipo A4: o defeito está associado a interrupção ou coarctação do arco aórtico, o que agrava a repercussão hemodinâmica.
Epidemiologia
O truncus arteriosus é uma cardiopatia congênita rara, responsável por menos de 1% dos defeitos cardíacos congênitos e por cerca de 4% das cardiopatias críticas diagnosticadas no período neonatal. A incidência média é de aproximadamente 7 casos a cada 100 mil nascidos vivos.
A condição afeta meninos e meninas em proporções semelhantes. Apesar da baixa frequência, seu impacto clínico é relevante, pois sem correção cirúrgica precoce, a maioria dos lactentes evolui com insuficiência cardíaca progressiva e alta mortalidade nos primeiros meses de vida.
Fisiopatologia
No truncus arteriosus, o coração apresenta um único grande vaso arterial que emerge dos ventrículos e se ramifica para as circulações sistêmica, pulmonar e coronariana. Como há um defeito no septo interventricular, o sangue oxigenado e não oxigenado se misturam antes de ser ejetado por esse tronco comum, o que resulta em hipoxemia sistêmica e cianose logo nos primeiros dias de vida.
A resistência vascular pulmonar tem papel determinante na expressão clínica. Nos primeiros dias após o nascimento, essa resistência ainda é alta, o que limita o fluxo para os pulmões e leva a uma cianose discreta. À medida que a resistência cai de forma fisiológica, ocorre hiperfluxo pulmonar, aumentando o retorno venoso ao coração esquerdo e sobrecarregando ambos os ventrículos. O resultado é o desenvolvimento precoce de insuficiência cardíaca congestiva.
Com o tempo, a exposição contínua do leito pulmonar a pressões elevadas provoca lesão endotelial e remodelamento vascular, culminando em hipertensão pulmonar irreversível. Quando essa condição se instala, o fluxo se inverte e o sangue pobre em oxigênio passa a ser direcionado para a circulação sistêmica, configurando o quadro de síndrome de Eisenmenger.
Manifestações clínicas
Período neonatal e primeiros sinais
As manifestações do truncus arteriosus geralmente aparecem ainda nas primeiras semanas de vida, quando ocorre a queda natural da resistência vascular pulmonar e o sangue passa a fluir com maior intensidade para os pulmões. Nesse momento, o bebê pode apresentar cianose discreta, perceptível durante o choro ou o esforço para mamar, e sinais iniciais de fadiga e taquipneia. A dificuldade alimentar e a sudorese excessiva durante a mamada são indícios precoces de sobrecarga cardíaca.
Evolução e quadro de insuficiência cardíaca
Com a progressão da doença, o aumento do retorno venoso e o hiperfluxo pulmonar levam a sintomas de insuficiência cardíaca congestiva. Os lactentes tornam-se irritáveis, letárgicos e ganham pouco peso, com respiração acelerada e uso de musculatura acessória. A hepatomegalia se torna evidente, resultado da congestão venosa sistêmica, e pode haver edema periférico leve em casos mais avançados.
Achados ao exame físico
O exame cardiovascular revela sopro holossistólico intenso, frequentemente acompanhado de clique de ejeção e segundo ruído único e reforçado. Os pulsos amplos e salientes, assim como a pressão diferencial aumentada, refletem o excesso de fluxo diastólico para o pulmão. Em casos com regurgitação da válvula truncal, o médico pode auscultar sopro diastólico adicional, sinal de maior gravidade.
Associações sindrômicas e manifestações extracardíacas
Quando o truncus arteriosus está associado à deleção 22q11.2 (síndrome de DiGeorge), o recém-nascido pode apresentar alterações faciais sutis, como fendas palatinas, micrognatia e orelhas de implantação baixa. A hipocalcemia decorrente de hipoplasia das paratireoides pode causar irritabilidade e crises convulsivas, enquanto a imunodeficiência associada à ausência tímica aumenta o risco de infecções recorrentes.
Evolução natural sem tratamento
Sem correção cirúrgica, o quadro tende a evoluir rapidamente para hipertensão pulmonar irreversível e falência cardíaca progressiva. A mistura constante de sangue venoso e arterial resulta em hipoxemia persistente, e a criança pode desenvolver síndrome de Eisenmenger nos primeiros anos de vida, condição que inviabiliza a correção cirúrgica e reduz de forma expressiva a sobrevida.
Diagnóstico
Avaliação clínica inicial
O diagnóstico do truncus arteriosus inicia-se pela suspeita clínica precoce, geralmente diante de um recém-nascido com cianose leve e sinais de insuficiência cardíaca nos primeiros dias de vida. A história de dificuldade alimentar, taquipneia e baixo ganho de peso levanta a hipótese de uma cardiopatia congênita. O exame físico costuma revelar sopro sistólico intenso, pulsos amplos e segundo ruído cardíaco único, características que orientam a investigação por imagem.
Diagnóstico pré-natal
A ecocardiografia fetal é o método mais eficaz para o diagnóstico antes do nascimento, podendo identificar o defeito a partir da 13ª a 22ª semana de gestação. O exame mostra um único tronco arterial saindo do coração e a presença de comunicação interventricular ampla. Quando o diagnóstico é feito ainda no período gestacional, é possível planejar o parto em centros especializados em cardiopatias congênitas, o que melhora o prognóstico neonatal.
Métodos de imagem pós-natal
Após o nascimento, o ecocardiograma transtorácico confirma o diagnóstico e define a anatomia detalhada da lesão, incluindo o tipo morfológico do truncus, o grau de regurgitação da válvula truncal e a presença de anomalias associadas. Em casos complexos, podem ser utilizados exames complementares como ressonância magnética cardíaca (RMC) ou angiotomografia computadorizada (angio-TC), que ajudam a avaliar as artérias pulmonares, o arco aórtico e as coronárias com maior precisão.
Exames genéticos e laboratoriais
Como há forte associação com deleção 22q11.2, recomenda-se realizar testes genéticos específicos em todos os pacientes diagnosticados. Além disso, podem ser solicitados exames laboratoriais para investigar hipocalcemia e alterações imunológicas, especialmente em casos suspeitos de síndrome de DiGeorge.
Diagnóstico diferencial
O truncus arteriosus deve ser diferenciado de outras cardiopatias com um único vaso de saída do coração, como a atresia pulmonar com comunicação interventricular e o ventrículo único com dupla via de saída. A distinção adequada entre essas anomalias é fundamental para o planejamento cirúrgico e prognóstico, uma vez que o tratamento e a sobrevida variam de forma significativa conforme o tipo de malformação.
Tratamento
Manejo inicial e estabilização
O tratamento do truncus arteriosus começa logo após o nascimento, com medidas de estabilização hemodinâmica e respiratória. O objetivo é equilibrar o fluxo entre as circulações pulmonar e sistêmica. Utilizam-se diuréticos, como furosemida e tiazídicos, para reduzir a congestão pulmonar e aliviar os sintomas de insuficiência cardíaca. O suporte ventilatório pode ser necessário, especialmente em lactentes com taquipneia grave ou hipóxia persistente. Em situações com anomalias do arco aórtico, a infusão de prostaglandina E1 é indicada para manter o canal arterial patente e garantir a perfusão sistêmica até a correção cirúrgica.
Correção cirúrgica definitiva
A cirurgia corretiva é o tratamento de escolha e deve ser realizada nas primeiras semanas de vida, preferencialmente antes do primeiro mês. O procedimento consiste em separar as artérias pulmonares do tronco comum, reconstruir a via de saída do ventrículo direito por meio de um conduto valvulado e fechar a comunicação interventricular. Em alguns casos, também é necessário reparar a válvula truncal ou corrigir o arco aórtico. Essa abordagem precoce evita o desenvolvimento de hipertensão pulmonar irreversível e melhora a sobrevida a longo prazo.
Cuidados pós-operatórios e acompanhamento
Após a cirurgia, o paciente é encaminhado à unidade de terapia intensiva cardíaca, onde são monitorados parâmetros hemodinâmicos, ventilação, equilíbrio eletrolítico e função renal. Durante o seguimento, são comuns reoperações devido ao crescimento da criança ou à degeneração do conduto valvulado, o que exige trocas periódicas. O acompanhamento regular com cardiologia pediátrica e ecocardiografia seriada é indispensável para detectar estenoses residuais, disfunção ventricular ou insuficiência valvar.
Prognóstico a longo prazo
Sem intervenção cirúrgica, a sobrevida raramente ultrapassa dois meses de vida, com mortalidade superior a 80% no primeiro ano. Já entre os pacientes operados precocemente, a sobrevida em 20 anos supera 80%, com qualidade de vida satisfatória. No entanto, cerca de três quartos dos pacientes necessitam de reintervenções até a segunda década de vida, principalmente por disfunção do conduto ou regurgitação da válvula truncal.
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Referências Bibliográficas
- BHANSALI, Suneet; HORENSTEIN, Maria S.; PHOON, Colin. Truncus Arteriosus. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK534774/.
- DynaMed. Truncus Arteriosus. EBSCO Information Services, 2024. Disponível em: https://www.dynamed.com/.