Resumo sobre Síndrome SAPHO: definição, manifestações clínicas e mais!
Hidradenite supurativa

Resumo sobre Síndrome SAPHO: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome SAPHO, um conjunto clínico raro que engloba manifestações sinoviais, acneicas, pustulosas, hiperostóticas e osteíticas, caracterizando um espectro de doenças inflamatórias que afetam principalmente o esqueleto axial e a pele.

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Síndrome SAPHO

A Síndrome SAPHO é uma entidade nosológica rara que reúne um conjunto de condições inflamatórias reconhecidas por envolver um processo de osteíte estéril e hiperostose, associadas ou não a alterações dermatológicas específicas. O acrônimo SAPHO corresponde a Synovitis, Acne, Pustulosis, Hyperostosis e Osteitis, refletindo os fenômenos fundamentais que motivaram sua classificação unificada por pesquisadores franceses na década de 1980.

Concebida como um agrupamento de doenças previamente descritas de forma fragmentada, a síndrome representa um espectro contínuo em que diferentes manifestações compartilham mecanismos inflamatórios semelhantes, independente da presença simultânea de alterações ósseas e cutâneas. 

Assim, diversas entidades historicamente tratadas como condições isoladas foram posteriormente reconhecidas como expressões de um mesmo processo biológico, permitindo compreender o SAPHO como um conceito integrador, e não apenas como uma lista de sinais clínicos.

A SAPHO ocupa um espaço conceitual que dialoga com doenças auto-inflamatórias e com o grupo das espondiloartrites, embora não se encaixe plenamente em nenhuma dessas categorias. 

Seu entendimento atual reflete a evolução de conhecimentos que permitiram reconhecê-lo como uma entidade independente, caracterizada por um padrão inflamatório peculiar e por um comportamento biológico próprio.

Fisiopatologia da Síndrome SAPHO

A fisiopatologia da Síndrome SAPHO é multifatorial, resultando da interação entre fatores infecciosos, mecanismos imunológicos e predisposição genética, que culminam em um processo inflamatório estéril e crônico do osso.

1. Hipótese infecciosa: papel do Propionibacterium acnes

O P. acnes é encontrado em algumas biópsias de lesões ósseas e pode servir como gatilho inicial. Ele ativa a imunidade inata através de receptores como TLR9, estimulando produção de IL-1, IL-8 e TNF-α.

Embora a bactéria não seja identificada na maioria dos casos, sua presença sugerida parece iniciar uma resposta inflamatória semelhante a uma artrite reativa estéril.

2. Disfunção imunológica e resposta inflamatória

Pacientes com SAPHO apresentam aumento de citocinas pró-inflamatórias e ativação do eixo P2X7–inflamassoma–IL-1β. Esse ambiente inflamatório crônico ativa vias como NF-κB, favorecendo a remodelação óssea anômala que resulta em osteíte e hiperostose. O padrão celular evolui de um infiltrado neutrofílico inicial para células mononucleares, reforçando o caráter inflamatório estéril.

3. Base genética e predisposição hereditária

Há relatos de agregação familiar, indicando predisposição genética. Estudos apontam possível participação de genes como PSTPIP2 (demonstrado em modelos murinos), além de polimorfismos em p53 e Mdm2, que podem influenciar a resposta inflamatória. Genes associados a doenças inflamatórias, como LPIN2 e NOD2, foram investigados, mas sem associação consistente.

4. Integração dos mecanismos

A síndrome pode ser compreendida como um ciclo composto por:

  1. Gatilho inicial bacteriano em indivíduo predisposto.
  2. Ativação imunológica persistente, mediada por citocinas e inflamassoma.
  3. Inflamação e remodelação óssea crônicas, responsáveis pelas alterações estruturais da doença.

Manifestações clínicas da Síndrome SAPHO

A Síndrome SAPHO apresenta um conjunto de manifestações osteoarticulares e cutâneas, cuja combinação e sequência variam amplamente entre os pacientes. Essas manifestações podem ocorrer simultaneamente, alternadas ou em momentos separados por anos, o que contribui para a grande heterogeneidade do quadro clínico.

1. Manifestações Osteoarticulares

As alterações musculoesqueléticas constituem o núcleo da síndrome e incluem:

a) Envolvimento da parede torácica anterior

  • É a manifestação mais característica e frequente em adultos.
  • Acomete principalmente a articulação esternoclavicular, esternocostal e costoclavicular.
  • Cursa com dor intensa, edema, sensibilidade local e, em fases tardias, hiperostose e espessamento ósseo.

b) Osteíte e hiperostose

  • Representam o processo inflamatório central da síndrome.
  • Podem afetar quaisquer segmentos do esqueleto, mas predominam na parede torácica, pelve, coluna e, em crianças, nos ossos longos.
  • Evoluem de lesões osteolíticas iniciais para escleróticas em fases crônicas.

c) Coluna vertebral

  • Acometimento comum, principalmente de coluna torácica e lombar.
  • Pode manifestar osteosclerose vertebral, lesões líticas, sindesmófitos não marginais e, em fases tardias, pontes ósseas e anquilose.

d) Sacroiliíte

  • Presente em uma parcela dos pacientes, frequentemente unilateral;
  • Pode ocorrer isoladamente ou associada a outras lesões osteoarticulares.

e) Artrite periférica

  • Geralmente oligoarticular, de curso insidioso;
  • Acomete joelhos, tornozelos, articulações metacarpofalangianas e metatarsofalangianas;
  • Pode estar associada à osteíte adjacente.

f) Entesites

  • Alterações em sítios de inserção tendínea e ligamentar, especialmente em tendão patelar e Aquiles;
  • Podem preceder outras manifestações osteoarticulares.

g) Mandíbula

  • Acometida em até 10% dos pacientes;
  • Lesões com osteíte e esclerose, frequentemente acompanhadas de dor e edema.

h) CRMO (Osteomielite Multifocal Recorrente Crônica)

  • Considerada a forma pediátrica do espectro SAPHO;
  • Caracteriza-se por surtos de dor óssea, lesões multifocais e evolução recorrente.

Manifestações cutâneas

As lesões dermatológicas podem anteceder, acompanhar ou surgir após as manifestações ósseas, e em muitos casos estão ausentes. Representam o outro eixo fundamental da síndrome.

a) Pustulose Palmoplantar (PPP)

  • É a manifestação cutânea mais frequente (50–75%);
  • Caracteriza-se por pústulas estéreis recorrentes em palmas e plantas, associadas a descamação e dor.

b) Acne severa

Inclui:

  • Acne conglobata
  • Acne fulminans

Mais comum em homens, pode ocorrer isoladamente ou em associação com outras lesões cutâneas.

Acne
Acne severa em um homem de 22 anos. Controle parcial dos sintomas após tratamento antibiótico prolongado, com surtos sucessivos.

c) Hidradenite supurativa

  • Também chamada de acne inversa.
  • Convivendo com artrite periférica, pode compor o espectro de manifestações inflamatórias neutrofílicas relacionadas ao SAPHO.
Hidradenite supurativa
Hidradenite supurativa

d) Outras manifestações cutâneas menos frequentes

  • Psoríase vulgar (geralmente associada a PPP ou acne);
  • Pyoderma gangrenosum;
  • Sweet syndrome (mais descrito em crianças com CRMO).

Relação temporal entre pele e articulações

  • A pele precede o quadro ósseo em 40–68% dos casos;
  • Ocorrem simultaneamente em cerca de 30%;
  • As manifestações ósseas surgem antes da pele em até 60%;
  • Em 15% dos adultos e >70% das crianças, nenhum sinal cutâneo é observado durante todo o curso da doença.

Outras manifestações incomuns

Embora raras, podem ocorrer:

  • Fraqueza muscular e crises convulsivas por acometimento do SNC;
  • Tromboses venosas devido à inflamação local e compressão por tecidos inflamados;
  • Envolvimento ocular e pseudotumores mediastinais;
  • Lesões ósseas múltiplas simulando doença metastática.

Diagnóstico de Síndrome SAPHO

O diagnóstico da Síndrome SAPHO é clínico-radiológico e trata-se essencialmente de um diagnóstico de exclusão, pois não existem critérios validados universalmente aceitos. A variabilidade de suas manifestações, que podem surgir isoladamente, em diferentes momentos e com apresentações incompletas — contribui para o atraso diagnóstico e confusão com outras doenças.

Ausência de critérios diagnósticos formais

  • A síndrome não possui critérios oficiais de diagnóstico;
  • A maioria dos pacientes não apresenta o quadro “completo” sugerido pelo acrônimo SAPHO;
  • Por isso, utiliza-se amplamente os critérios de inclusão e exclusão propostos por Benhamou et al. (1988), ainda aceitos na prática clínica.

Segundo esses critérios, a presença de apenas um dos quatro itens de inclusão já é suficiente para considerar o diagnóstico.

Eles englobam:

  • Osteoarticular associada a acne severa;
  • Osteoarticular associada à pustulose palmoplantar;
  • Hiperostose com ou sem doença cutânea;
  • CRMO (adultos ou crianças), com ou sem lesões cutâneas.

Exclusões importantes: osteomielite séptica, artrite infecciosa da parede torácica, PPP infecciosa, tumores ósseos, ceratodermias e manifestações relacionadas ao uso de retinoides.

Importância da história clínica detalhada

Como manifestações cutâneas e osteoarticulares podem ocorrer antes, durante, ou décadas após, é fundamental investigar eventos cutâneos passados esquecidos pelo paciente (acne severa, pustulose palmoplantar, hidradenite). A ausência de pele não exclui SAPHO.

Métodos de imagem no diagnóstico

A avaliação radiológica é crucial para identificar o padrão típico da síndrome.

a) Radiografia

  • Fase inicial: lesões muitas vezes normais ou apenas osteolíticas discretas;
  • Fase tardia: padrão misto lítico/esclerótico ou totalmente esclerótico;
  • Na parede torácica: hiperostose e espessamento do esternoclavicular e costoclavicular.

b) Tomografia Computadorizada (TC)

  • Exame de escolha para avaliar a região esternoclavicular;
  • Mostra erosões corticais, estreitamento articular, periostose e esclerose subcondral.

c) Cintilografia Óssea

  • Importante para mapear lesões clinicamente silenciosas;
  • Achado clássico: “sinal da cabeça de touro”, com aumento de captação no esterno e articulações esternoclaviculares.

d) Ressonância Magnética (RM)

  • Método mais sensível para fases iniciais;
  • Demonstra: edema de medula óssea, sinovites e inflamação de partes moles;
  • Útil para excluir tumores e osteomielite infecciosa.

Esses exames permitem reconhecer o padrão típico de osteíte estéril crônica, facilitando o diagnóstico diferencial.

Tratamento da Síndrome SAPHO

O tratamento da Síndrome SAPHO é desafiador porque não existem ensaios clínicos controlados nem diretrizes formais baseadas em evidências robustas. Todo o manejo terapêutico deriva de relatos de caso, séries pequenas e da experiência acumulada. Assim, a conduta é individualizada e voltada para o controle da dor, modulação da inflamação e tratamento das manifestações cutâneas quando presentes.

AINEs e analgésicos

Os anti-inflamatórios não esteroides são geralmente o primeiro passo terapêutico. Embora essenciais para o alívio inicial da dor, sua eficácia é limitada, muitos pacientes apresentam resposta apenas parcial. Cerca de 50% não alcançam controle adequado dos sintomas.

Corticosteroides

Os corticosteroides podem ser úteis tanto por via sistêmica quanto por infiltração intra-articular, especialmente na articulação esternoclavicular.

  • Podem produzir alívio rápido da dor;
  • O benefício tende a ser transitório;
  • Doses elevadas ou uso prolongado estão associados a efeitos adversos relevantes;
  • Exames de imagem nem sempre mostram melhora paralela à melhora clínica.

Por isso, seu uso é geralmente pontual, voltado ao controle de surtos inflamatórios.

Antibióticos

A utilização de antibióticos como doxiciclina, azitromicina ou clindamicina é historicamente considerada devido à possível participação do Propionibacterium acnes como gatilho inflamatório.

Os estudos mostram:

  • Melhora clínica inicial em alguns pacientes;
  • Perda completa do efeito após suspensão da medicação;
  • Ausência de benefício sustentado na maioria dos casos.

Assim, antibióticos não constituem terapia definitiva e, quando usados, têm papel limitado.

Retinoides (isotretinoína)

Indicados principalmente para acne severa, mas também relatados como benéficos em alguns casos para sintomas osteoarticulares.

  • Resultados variam entre os pacientes;
  • Podem ser úteis quando há envolvimento cutâneo significativo;

DMARDs (Modificadores da Doença)

São utilizados quando há persistência da inflamação apesar do uso de AINEs e corticosteroides.

  • Metotrexato;
  • Sulfassalazina;
  • Leflunomida.

Eles podem estabilizar o quadro ou reduzir o número de surtos, mas:

  • Nem todos os pacientes respondem;
  • A eficácia é considerada modesta e variável.

Terapias Biológicas

As terapias biológicas ganharam destaque como opções eficazes para casos refratários.

Anti–TNF (infliximabe, adalimumabe, etanercepte)

  • Produzem melhora rápida e marcante do quadro osteoarticular;
  • A dor costuma diminuir drasticamente após as primeiras doses;
  • As lesões cutâneas podem responder, mas há casos de piora da PPP;
  • Alguns pacientes desenvolvem novas lesões ósseas assintomáticas, mesmo com melhora clínica;
  • Uma minoria não responde à terapia.

Anti–IL-1 (anakinra)

  • Utilizado em casos refratários aos anti–TNF ou demais terapias;
  • A maioria apresenta redução significativa da dor e da atividade inflamatória;
  • Pelo menos um caso descrito não respondeu, demonstrando resposta variável.

Bisfosfonatos: uma das Terapias Mais Consistentes

Os bisfosfonatos são apontados como uma das opções mais promissoras e eficazes no tratamento da Síndrome SAPHO.

Incluem:

  • Pamidronato (principal e mais estudado);
  • Zoledronato;
  • Ibandronato;
  • Alendronato.

Benefícios descritos:

  • Alívio rápido e importante da dor;
  • Redução da osteíte;
  • Remissão prolongada em vários pacientes;
  • Eventual melhora cutânea.

O pamidronato intravenoso, em particular, demonstra respostas robustas, mesmo em casos refratários a outras terapias.

Cirurgia

A cirurgia não é tratamento de rotina e tem papel bastante limitado.

Indicações incluem:

  • Suspeita de tumor antes da confirmação diagnóstica;
  • Deformidades graves;
  • Destruição vertebral com comprometimento neurológico.

De modo geral, procedimentos invasivos apresentam alto índice de recorrência e não trazem benefícios duradouros.

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Referências

CARNEIRO, S.; SAMPAIO-BARROS, P. D. Tratamento da síndrome SAPHO. Revista Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 53, n. 4, p. 363-371, 2013.

NGUYEN, M. T. et al. The SAPHO Syndrome. Seminars in Arthritis and Rheumatism, Philadelphia, v. 42, n. 3, p. 254-265, 2012.

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